Festival ECRÃ: Cinemas fantasmas

Cinemas fantasmas

Por Chico Fireman (@filmesdochico)

Seis filmes exibidos no primeiro dia do Festival Ecrã são, pelos caminhos mais diversos, sobre fantasmas. Curtas, médias e longas-metragens que procuram preencher ausências e lidar com os vestígios de alguém ou alguma coisa que sobrevive como espectro.

Aquele que lida mais diretamente com o tema talvez seja “Gargaú”, de Bruno Ribeiro, em que o diretor coloca os amigos num carro e vai para a cidade onde foi criado no interior do Rio. Embora sua avó, Dona Graça, pareça ser a protagonista do filme, a personagem que amarra toda a trama nunca está em cena: a mãe de Bruno, que ele havia acabado de perder. Essa viagem de volta, que ele constrói a partir de uma mistura de documentário de memórias, comédia nonsense e filme de bastidores em que muito é encenado, também se transforma numa forma de se reconectar com sua origem. No média “Aposentadoria ou A Última Casa do Meu Pai”, Julie Pfleiderer inverte o jogo. Ela convida o pai, um arquiteto que terminou colocando a profissão a frente da família, para construir uma última vez. Enquanto os dois fazem uma maquete cheia de detalhes, ela questiona porque a presença dele em sua vida foi tão distante. Acertos de contas diferentes com o imaterial.

O “fantasma” de “Licantropia”, de Janaína Wagner, é um conceito. Alternando diversas técnicas e suportes visuais e sonoros, variando do mais narrativo para o impalpável, ela investiga como o lobisomem, a criatura mitológica que nos assombra serviu para tornar mais assimiláveis os crimes mais grotescos — dos homens. A própria diretora lembra que a concepção fantasiosa que virou doença diagnosticada se desenvolve numa lógica misógina: enquanto mulheres foram queimadas como bruxas, os criminosos do sexo masculino eram tratados como pacientes. Se o curta de Wagner tenta decifrar o fantasma, “Quem de Direito”, de Ana Galizia, quer afastá-lo. Com depoimentos, imagens de arquivo, gráficos que ganham a intervenção de seus personagens, ela remonta a luta de uma população que tenta impedir que uma barragem não transforme sua comunidade numa terra devastada.

Já em “8 de Março de 2020: Uma Memória”, o fantasma está no que (não) vemos. Fırat Yücel se volta para o cenário de uma manifestação que reuniu milhares de pessoas através dos olhos de câmeras de segurança. Um espaço que ficou completamente vazio durante a pandemia, mas que, mesmo fantasmagórico, não deixou de ser registrado, provocando um estranhamento incomum. Quando nossos olhos, treinados para enxergar, vêem nada, para onde olhar? É uma dinâmica completamente oposta da vista em “Espaço Liminar”, que Gabriel Papaléo dirigiu inspirado pelo cinema de ação de Albert Pyun, mas com táticas que criam uma experiência atmosférica que acrescenta diferentes camadas a essa homenagem.

Nesse longa-quimera em que atravessa o thriller sensorial, a ficção-científica B e o romance clássico, o fantasma é uma mulher que desaparece entre dimensões por causa de um fenômeno científico. Papaléo costura esses caminhos tão diversos através de uma combinação de escolhas – cores estouradas, jogo de luzes, trilha atmosférica, realidade virtual – que estabelecem um universo paralelo, um cinema-fantasma que foge à lógica da verossimilhança, mas que não cai no conto do absurdo pelo absurdo por conta da textura afetuosa que faz com que o projeto pulse de uma maneira muito particular.

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