Ensaio sobre a Simpatia: Música, memória e imagem em Godard

Por Wilson Oliveira Filho


“Dante, maravilhado, soube por fim quem era e que era e abençoou suas amarguras. A tradição relata que, ao despertar, sentiu que tinha recebido e perdido uma coisa infinita, algo que não poderia recuperar, nem mesmo vislumbrar, porque a máquina do mundo é complexa demais para a simplicidade dos homens”

                                                                      (Inferno, I, 32 – Borges)

Introdução (… Minhas memórias de Godard)

Recentemente para um documentário exibido em uma grande mostra sobre Jean-Luc Godard no Rio de Janeiro a primeira experiência com a obra do cineasta Jean-Luc Godard foi-nos interrogada. Uma memória de um primeiro contato com a obra do cineasta franco-suíço. De pronto, sem titubear e já com certa dúvida – que beira sempre a memória – uma resposta: o filme de 1968 sobre os The Rolling Stones, “Sympathy for the devil” ou “One plus one”[1]. Essa aparente ambigüidade, envolvendo a certeza e a dúvida, parece tanto legitimar a relação entre cinema e arte de lembrar e esquecer quanto a ímpar importância das imagens e do imaginário godardiano para a cena do obscuro e complexo contemporâneo de homens simples como Godard, você e aquele que deu aquela resposta.

Parece surgir na teoria do cinema uma espécie de “mnemocinema” que passeia pela mente quando somos perguntados sobre um filme, em particular sobre um filme de um cineasta tão inventivo, intrigante e intenso como Godard. Ao mesmo tempo como o artista insiste em parte de sua obra, pensando o cinema como música[2], por exemplo, lembrar como primeira experiência um filme permeado por uma canção que tem em uma de suas versões o título de uma famosa faixa da banda de rock The Rolling Stones pode significar que o cinema como bradou sinestesicamente Abel Gance é mesmo música da luz.

            A relação entre cinema e memória – que vem ocupando parte de minhas pesquisas – que aqui converte-se em ensaio foi recortada por outro criativo cineasta  e ajuda, a guisa de introdução, a entender sobre essa obra de Godard a partir de uma música de uma banda de rock. Sobre a memória, observa Andrei Tarkovski que ela é “algo tão complexo que nenhuma relação de todos os seus atributos seria capaz de definir a totalidade das impressões através das quais ela nos afeta”. (1990, p. 64). Esse afeto, no caso do cinema de Godard, beira uma simpatia. Gostamos ou simpatizamos com a obra de Godard se estivermos abertos a ultrapassarmos essa totalidade de impressões em busca de uma caleidoscópio de sensações, superar essa completude de impressões ou esse mal de arquivo, que Derrida se refere por vezes à memória. Permitir que Mnemosyne, essa musa que, segundo Jean Pierre Vernant, “preside, como se sabe, à função poética” (1990, p.72), adentre nossa relação com o cinema, e, mais ainda, penetre ritmicamente, musicalmente nossos sentidos. Isso nos parece de certa forma a compreensão da proposta de cineastas como Godard. Arte como musa, museu de mundos e memórias.

Duas ou três coisas que sei sobre ele (JLG)

            Ao menos algumas informações sobre o cineasta são importantes para esse momento antes de passarmos ao filme, antes de analisarmos ou ensaiarmos com Godard não somente uma gravação de uma música, mas uma ode aos acontecimentos de maio de 68, a contracultura, a liberdade, uma leitura dos media e luta (inglória)  como motor da historia. Um breve trecho de Jacques Aumont aparece no sentido de pensar essas duas ou três coisas que são relevantes para compreender Godard:

De início, haveria a reflexão sobre a montagem, tema teórico principal do jovem Godard. Entre seus primeiros artigos, um afirma que não existe decupagem clássica, caso entendamos por isso um modo de filmar constituído e congelado de uma vez por todas, “tal ponto que equivaleria a um modo de pensamento autônomo, aplicável a qualquer tema com igual sucesso”. O que existe é a direção, isto é o estilo, a ser redefinido por cada cineasta e até por cada filme; é o conteúdo que faz a forma e não uma forma gramatical que enquadra e transmite o conteúdo. Um outro artigo precisa que a direção às vezes pode assumir a forma da montagem, porque dirigir é exercer o domínio sobre o espaço, ao passo que montar é exercer esse domínio sobre o tempo. “se dirigir é um olhar, montar é um bater do coração…” (AUMONT, 2004, p.54-55)

Uma grande miríade criada pelas imagens e sons que Godard montou ou dirigiu interage com e a partir de lembranças e esquecimentos. As camadas e bricolagens de Godard em seu flerte com o vídeo ou as montagens em jump cuts e a gagueira dos primeiros filmes, essa gagueira ou “dupla captura, nem uma reunião, nem uma justaposição, mas o nascimento de um gaguejar, o traçado de uma linha quebrada” (DELEUZE, 2004, p.20) são memórias do cinema e de um mundo gago, convulsivo em eternos embates e eternas enchentes…

Em memórias vivas, nascentes em camadas audiovisuais, em acúmulos de experiências com o som e a imagem. A memória como reino da exploração cinematográfica se torna terreno da imaginação. O cinema ao dialogar com o próprio cinema ou, como afirma o primeiro parceiro de Jean-Luc Godard, François Truffaut, ao pensar que todo filme deve exprimir uma visão de mundo e uma visão do próprio cinema nos faz pisar nesse terreno mnemônico único e das multiplicidades, individual e coletivo. Parmenídico e Heraclitiano. Cinematográfico e anticinematográfico. Ambíguo.

As referências ao próprio cinema (como artifício da memória) que passeiam na nouvelle vague de Truffaut e Godard entre outros surgem primeiramente em “Acossado” (À Bout de Souffle, 1959); referências, por exemplo, aos gêneros, aos atores, ao próprio cinema; e mais tarde em “Alphaville” (1965), no qual a memória aparece no próprio computador ou nas categorias criadas e recriadas por Godard. “No caso de Alphaville, são três categorias: “o controle ou o cinema de ação (típicas do cinema americano), a memória e o cinema da imagem afeto […] e o amor e o cinema da imagem-tempo cinema do pós-guerra” (PARENTE, 2009, p.103). Intercambiáveis essas categorias funcionam a nosso ver sempre partindo da memória. Seja em “Sympathy for the devil” objeto de nosso ensaio, arquivando a contestação e a música dos anos 60 ou mesmo em seu último filme “Film socialisme” (2010).  Godard com uma preocupação arquivística coleciona momentos do cinema  ao longo de sua longa carreira. E coleciona como Benjamin problematizou a obsessão  do colecionador: “toda paixão confina com um caos, mas a de colecionar com o das lembranças” (2000, p.228).

Sobre a sintaxe de Godard em “Sympathy for the devil” (… ou “One plus One”)

Mostrar o processo de uma música sendo gravada com toda seu liveness, sua radical e reforçada presença, esse ato se fazendo a partir de uma ideia de Mick Jagger é a forma como Godard começa a mostrar o processo de realização do seu próprio filme, do ambiente que um filme em 1968 também vivia. Na obra “Sypmapthy for the devil” esse acontecimento de uma gravação se desdobra em outros. Se uma banda de ingleses brancos faz som ou tenta fazer som do blues negro, Godard problematiza a questão do racismo colocando os Panteras Negras desfilando armas e conceitos dos criadores dos Black Panters LeRoi Jones e Eldridge Cleave em um ferro velho abandonado. Uma sintaxe sonora sedutora, sensorial, sexual. E a partir daí desdobram-se fragmentos da letra de Jagger para discutir a questão do feminismo, da indústria cultural e da contracultura nos anos 60.

Intercalando o processo de gravação – a música vai ganhando novas nuances a cada bloco que Godard cria para o filme – com planos de pichações em muros, carros, lojas que mostram a criação de palavras como Cinemarxism ou Sovietcong ( contrações e junções de termos e expressões, videoescrita ou cinepalavra), o filme é narrado revelando algumas vozes para a partir da música falar dos problemas que maio de 68 estava imerso. Essas vozes não veladas, não veludosas são a da música, a das leituras de textos escolhidos a esmo, a da luta dos líderes negros, da mulher entrevistada e a todo tempo negando a própria entrevista, do vendedor de revistas e a do próprio Godard, como um maestro. Não como um produtor, jamais como um produtor, pois os produtores do disco dos Stones “Beggars Banquet” que contém a música título do filme, são ironizados, captados em planos sem importância, de lado, entre as baias do estúdio. Um filme entre baias e barricadas, entre música e palavra. Entre, Godard sempre entre entradas.

O artista rege essas vozes dirigindo um filme sobre o processo de criação e ao mesmo tempo mostrando o seu processo de criação. O plano final talvez seja o grande exemplo que Godard usou para pensar o cinema aplicando sua conhecida frase: “Tudo o que é preciso para se fazer cinema é uma mulher e uma arma”. Nesse plano Godard entrega seu cinema para o espectador, com uma mulher supostamente atingida por uma bala sendo levitada por uma grua, toda essa concepção processual se conclui elipticamente. Talvez, o filme só faça sentido se for assistido em loop[3]  (talvez Godard seja o cineasta mais circular da história do cinema, talvez, talvez, talvez…) Nesse momento a música muda e os 90 minutos que a música Sympathy for the devil foi executada cede lugar para outra canção. Godard costumava dizer que descrever é observar mutações. E o loop é o primado do mesmo na mutação ou a diferença na repetição, o eterno retorno do diferente.

Com as mudanças na condução da música, Godard vai mostrando as mudanças no mundo, as mutações de sua concepção do próprio filme que ora nos enclausura em estúdios, quartos de hotel ora nos libera pelo verde de uma floresta ou pela água do mar. “Dada uma imagem trata- se de escolher outra imagem que induzirá um interstício entre as duas. Não é uma operação de associação, mas de diferenciação” (DELEUZE, 2005, p.217). O “entre” surge novamente. Essa diferença se dá nos contrapontos entre os processos de realização musical e cinematográfica e no processo maior a vida e sua potência. Imagens salvando a honra do real que Didi-Huberman tão bem lê em Godard no livro “Imagens apesar de tudo” estudando as imagens de George Stevens da abertura dos campos de Auschwitz que nos  chegaram.

“Assim, em Godard, a interação de duas imagens engendra ou traça uma fronteira” (DELEUZE, 2005, p.18). É o próprio corte que nos guia, inconscientemente pra transpor as diferentes sintaxes que Godard cria. As fronteiras em “Sympathy for the devil” ou “One plus one são menos densas como por exemplo em “História(s) do cinema” ( onde a prática de um bricolleur, de um arquivista beirando o caos dão as cartas) e mais densas de serem transpostas do que em “Weekend à francesa”, filme em que a dica (“isso não é sangue, é vermelho”) nos conduz num road movie godardiano sobre a condição humana desgastada, desvelada e desbravada.

Em Sympathy são as junções de palavras, de texto-música-imagem que nos fornecem pistas para a proposta de Godard de um filme sobre uma banda. Também a própria contracultura e indústria da cultura servem de signo para compreender que o que está por trás do filme é a criação, o pensamento fazendo filme, o filme como o próprio pensamento. Como Deleuze observa “Godard gosta de lembrar que quando os futuros autores da nouvelle vague escreviam, não escreviam sobre o cinema, não faziam uma teoria dele – era já, a sua maneira de fazerem filmes” (2005, p.331). Num filme com diferentes níveis de texto como esse sobre os Stones, Godard continua (re)escrevendo. Essa ideia de sempre produzir, seja como editor de textos, videoartista, cineasta pode ser lida no filme em questão e em ensaio através da ideia de produzir uma música.

Tentando mostrar o invisível a partir do que se vê, a música sendo composta, recomposta e decomposta, entendemos porque o “próprio Godard diz várias vezes que é bem disto que se trata: é preciso “ver um roteiro”, ou seja “ver como se passa do visível ao invisível”” ( DUBOIS, 2004, p.160). Godard nos faz ver por entre o cenário e objetos do estúdio, o real de uma época. Frequentemente quando se referem ao filme dizem que Jean-Luc Godard ficava menos no set de filmagem (o estúdio em Londres) e mais na França ainda repercutindo e agindo nos movimentos de maio de 1968. Cineasta-crítico, crítico de ser cineasta.

Das poucas críticas que ficaram sobre o filme uma das mais curiosas está num livro sobre cinema e rock. Garry Mulholland exalta o filme, sintetizando-o, se isso pode ser concebido como possível.

Sympathy for the devil é uma película maravilhosamente filmada sobre os Rolling Stones, compondo, ensaiando e gravando as evocações mais dançantes do mal, intercaladas com sátiras surreais de Godard sobre o tema da revolução contracultural de 1960 e, ironicamente, a voz de velha guarda de Sean Lynch lendo material sobre pornografia e a guerrilha. Não é nem um documentário, nem uma obra de ficção linear, mas um discurso ambíguo, irritante e hipnótico sobra a nova política de esquerda da época. Os Stones, nesse sentido são apenas adereços, não são entrevistados e não têm falas, a não ser coisas chatas com a banda em ação. (MULHOLLAND,2011, p.107)

Nesse breve texto encontramos a questão da simpatia que esse ensaio de um ensaio tentou dar conta também brevemente. Uma simpatia pela imagem e pela memória da música, da poesia e do arquivo, no caso as referências aos textos dos fundadores dos panteras negras, a dissolução do intelectualismo ironizando como no exemplo da entrevista com Eve democracy, interpretada por Anne Wiazemsky, com os produtos das industria cultural, revistas e  quadrinhos na sequencia dentro da loja de revistas.

 O que era pra ser um rockumentary se transforma em uma questão da memória. Como afirmou Godard, “quando filmamos uma paisagem que apreciamos, lembramos; fazemos uma citação: uma casa, uma árvore, uma cidade. Tudo no cinema é uma questão de memória”.  Como a memória é uma constante dança entre lembrança e esquecimento[4], nos Stones de Godard convergem os infinitos loops de gravação e os esquecimentos que marcam as mudanças de andamento, a perplexidade de um Brian Jones que parece nunca se lembrar da música em contraponto a um ativo Keith Richards criando e solando entre as sessões,  gerando a música e esquecendo as versões passadas de uma música original simples que se transforma ao longo da criação em uma das peças mais importantes do disco e da carreira dos Stones. Conflui a invenção com o inventário que Godard já parecia antever para o seu cinema (e que só iria anos depois concretizar com seus trabalhos em vídeo) evidenciado nos blocos que parecem compor uma lista poética de temas dos anos 60 e só há lista poética, nos mostra Umberto Eco, “porque não somos capazes de enumerar alguma coisa que escapa às nossas capacidades de controle e denominação” (ECO, 2010, p.117). 

Convidado por ser o mais inventivo cineasta da época para fazer um filme sobre uma banda de rock, que poderia ter sido os Beatles, Godard faz aquilo que ainda nos causa tanta reverência: Funde linguagens, sobrepõe ritmos e figuras para mais uma vez mostrar os deveres de um autor, o compromisso ético com o espectador, sem abrir mão da estética de uma hiperestética como polemizou McLuhan (1964). O compromisso mais que verbal, mas visual com justo uma imagem, uma caricatura dos caricaturáveis Jagger, Richards, Jones, Watts e Wyman. Uma imagem justa.

Num filme sobre uma banda, Godard é um caso a parte. Ao botar a banda à parte, usá-la como adorno, Godard é adorniano ao, de certa forma, propor um filme como forma, atestando  que  “o ensaio se recusa a deduzir previamente as configurações culturais a partir de algo que  lhes é subjacente, acaba se enredando com enorme zelo nos empreendimentos culturais que promovem as celebridades, o sucesso e o prestígio de produtos adaptados ao mercado” ( ADORNO, 2003, p.16-17). Não adaptado ao mercado fonográfico, nem mesmo cinematográfico, Godard com uma simpatia radical pelo outro (ou pelas histórias dos outros) cria um filme que dentro de sua obra soa estranho como acreditar em diabos nos indagando sobre que diabos pode o homem simples acreditar.

Esse texto foi originalmente escrito para a mostra Expo(r) Godard: Viagens em utopia com curadoria de Dominique Païni e Anne Marquez Aída Marques. Uma versão mais sintética foi apresentada no teatro da Maison de France ao lado de José Carlos Monteiro. Ele comentava “Je vous Salue Marie” e eu “Sympathy for the devil” em 03 de junho de 2013.

Referências

Adorno, Theodor. Notas de Literatura I. São Paulo: Editora 34, 2003.

AUMONT, Jacques. Moderno? Campinas, SP : Papirus, 2008.

BAL, Mieke. Setting the stage: The subjective mise en scène. In: DOUGLAS, Stan; EAMON, Christopher (eds.). Art of projection. Ostfieldern: Hatje Cantz, 2009.

BORGES, Jorge Luis. O fazedor. São Paulo: Cia das letras, 2008

DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004

BENJAMIN, Walter.  Obras escolhidas Vol  II. São Paulo: Brasiliense, 2000.

DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2005.

_________.  Diálogos. Portugal: Relogio d’agua, 2004.

DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.

DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Lisboa: KKYM, 2012.

GODARD, Jean-Luc Godard Interviewed by Jean-Marc Lalanne. In: LES INROCKS: The Right of the Author? An Author Has Only Duties. Disponível em: http://cinemasparagus.blogspot.com/2010/05/jean-luc-godard-interviewed-by-jean.html, 2010. Acesso em 23 ago. 2011.

ECO, Umberto. A vertigem das listas. Rio de Janeiro: Record, 2010.

MULHOLLAND, Garry. Popcorn. Sao Paulo : Seoman, 2011

PARENTE, Andre. Os três regimes deleuzianos da imagem cinematográfica em Alphaville. In: FURTADO, Beatriz ( ORG.). Imagem contemporânea Vol.1. São Paulo: Hedra, 2009.

TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1990.


[1] “One plus one” é a versão do diretor para “Sympathy for the devil” rodado em 1968, após a querela com a produção do filme. Godard no lançamento da versão com a qual ele não concordava invade o cinema com um cheque para reembolsar o público e um convite para que assistissem a versão que ele batizou como “One plus one”. Os filmes completam 45 anos e esse ensaio é também de certa forma uma homenagem a eles.

[2]  Em “Para sempre Mozart”  Godard explicitamente diz ter partido de sons para concepção da obra. A ideia era fazer uma sinfonia visual. Ainda podemos refletir sobre esse tema com as observações de Deleuze sobre filmes como “Carmem”, obra na qual “as atitudes do corpo jamais param de remeter a um gestus musical” ou “Salve-se quem puder (a vida), onde a música “constituía o fio condutor virtual indo de uma atitude a outra, “que música é esta?”, antes de se manifestar por si mesma, no final do filme” (2005, p.  233-234).

[3] Em síntese a repetição de sons e imagens, ou como sintetiza Mieke Bal: “A cada momento que o giro de qualquer número termina eu digo a mim mesmo: “Mais uma vez” E é invariavelmente durante uma dessas repetições que eu fico sensibilizado, por ver repetidamente, pela teatralidade do que acontece na(s) tela(s) em relação com o que é narrado. Teatro, luz e rebites: eles podem ter uma relação intrínseca entre si?” (BAL, 2009, p.167. Tradução nossa).

[4] Nietzsche é o responsável por reintroduzir o esquecimento nos estudos de memória. Não se trata de tudo guardar, mas de ter espaço para as perdas. “Bem-aventurados os esquecidos, pois desfrutam até dos próprios erros” é uma referência a Nietzsche no belo filme sobre a memória “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”.

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