Por João Lucas Pedrosa
Roberto e Yayoko Yoshisaki, pais do diretor Marcos Yoshi, voltam depois de 13 anos morando no Japão, onde trabalharam como operários de uma fábrica para poder sustentar a educação dos filhos. É se alimentando da súbita aproximação após essa abismal ausência que parte “Bem Vindos de Volta”. Os pais que apareciam apenas por imagens (VHS de viagens passadas, fotos e vídeos que eles mandavam periodicamente), agora são corpo presente. O que fazer agora? Criar as próprias imagens. Mas as imagens criadas não se apresentam como uma invenção ou molde dos pais segundo um sentimento prévio, alimentado pelos anos. O que existe é o vácuo, e é o que a produção tenta preencher: a câmera como desculpa para deles se aproximar demais e, assim, re-conhecê-los. Entender sua anatomia, seus olhares, as reações, as rugas, os poros. Como o dedo mindinho do pai sempre se levanta ao segurar algo; como as articulações das pontas dos dedos da mãe ficaram permanentemente inchadas por conta do trabalho. O trabalho, esse grande sacrifício em prol de um bem maior – a subsistência -, e que aparece tanto como salvador (utilitário) e assassino (afetivo). O labor braçal em longas jornadas surge hereditariamente, desde o pai japonês de sua vó, emigrado na época da guerra, chegando até Marcos e suas irmãs, que precisaram trabalhar por uns meses como operários no Japão quando o pai passou por uma retirada de tumor na cabeça. Foi quando entenderam que seus pais renunciaram na expectativa da formação dos filhos mais que a relação com eles: abriram mão da própria vida. 12h de trabalho manual para voltar a um quarto pequeno, desconfortável. Sobreviver o necessário para que o futuro dos filhos esteja garantido, mas o deles se mantenha instável. E o futuro, prometido na imagem das suntuosas, divinas montanhas japonesas, é uma ideia muito velha que, hoje em dia, se manifesta, mais que tudo, como um fracasso do presente.
E o fazer cinematográfico aparece como uma resistência ao trabalho. A câmera de Yoshi não entra na fábrica, pois o labor aqui é vilão, e a ela interessa o contato humano que os intervalos do fim da jornada permite. O poder olhar. O cinema possibilita que esse olhar se estenda, pois ainda que corpos presentes, a sombra da ausência dos pais (passada e futura) se mantém, como um espectro. Inventariar os pais como no “Katatsumori”, de Naomi Kawase, em que a diretora põe a câmera numa proximidade invasiva do rosto da avó (que a criou) e fica tocando-o, acariciando-o; a vó questiona e ri estranhando, mas a câmera não sai de perto. Porque, se pudesse, Kawase talvez a engoliria, para mantê-la sempre perto de si. Filmar para aproximar, filmar para não afastar. Filmar pelo pavor da partida.
Eis que numa cena Yoshi pede ao pai para inventariá-lo com as próprias mãos. “Posso tocar sua cabeça?”, e o pai de primeira entende que ele quer falar uma verdade para mexer em sua opinião. Ia permitir isso também, mas estava nervoso, e é meio nervoso que recebe as mãos do filho nos ombros. Eles se olham fixamente, e Marcos começa a tocar a cabeça do pai. As mãos do filho, enfim, conseguem burlar a prisão laboral. O pai fecha os olhos e relaxa, recebendo o toque como afago. Provavelmente o único momento em que relaxa no filme.