Por Camila Vieira
Garotas/Museu, de Shelly Silver, lança mão de um dispositivo para compor o filme: meninas de diferentes idades compartilham suas impressões sobre as obras que elas observam em visita ao Museu de Belas Artes de Leipzig. Os planos são frontais: tanto para as obras quanto para as meninas entrevistadas. A “percepção da arte” que o filme deseja alcançar não passa pelo olhar de mulheres adultas, mas de garotas ainda em processo de amadurecimento e construção de visões de mundo. De imediato, a proposta produz um gesto de inversão: as garotas são convocadas a falar sobre seus olhares para a arte, universo que historicamente sempre colocou mulheres na condição de objetos a serem vistos e contemplados. Dentro de um espaço institucionalizado como o museu, é uma forma de repensar padrões legitimados de compreensão da história da arte.
Na relação de uma obra como “Adão e Eva” (1533), de Lucas Cranach, as entrevistadas questionam o desenho repuxado dos olhos de Eva como característica de uma mulher ardilosa e malévola. “A ninfa da fonte” (1518), do mesmo autor, traz o corpo nu de uma figura mitológica, que é vista pelas garotas como uma mulher sozinha, que pode ter sofrido algo de ruim. Ao olharem para o quadro “Dançarina” (1926), de Paul Kleinschmidt, elas observam que o corpo da mulher aparece objetificado, com quadril e bunda em primeiro plano. No geral, as meninas indagam por qual motivo mulheres jovens são retratadas com o corpo exposto e as mais velhas encobertas. Uma garota do Afeganistão levanta a hipótese sobre como seriam os quadros se as figuras retratadas não tivessem gênero definido.
Da mesma forma que o espaço do museu expõe um amontoado organizado de obras, o filme também vai acumulando não só o que as meninas falam sobre os trabalhos artísticos com suas perspectivas bastante heterogêneas, mas também em que medida elas conseguem se enxergar no lugar das figuras retratadas ou mesmo identificar se um quadro foi criado por um homem ou uma mulher. Não há dúvida de que o debate de gênero está implicado em Garotas/Museu, mas de algum modo o uso de um dispositivo enrijecido parece se esgotar no percurso e o que o filme consegue alcançar ainda limita-se ao repetitivo e superficial – menos pelo que as meninas falam e mais pelo que o filme cria como articulação discursiva.