Por Camila Vieira
O maior mérito de um documentário como Lidando com a Morte é escancarar o quão ridícula e absurda é a tentativa de um grupo de europeus brancos que desejam capitalizar em nome dos rituais que envolvem o luto e a morte de comunidades étnicas que habitam a Holanda. No bairro multiétnico de Bijlmer, em Amsterdã, a agência funerária Yarden tem o interesse de ampliar seus negócios para alcançar turcos, antilhanos, indianos, angolanos e outros tantos imigrantes como potenciais consumidores de seus serviços.
Sócia da agência, Anita Von Loon é a empresária que mais se empenha em fazer as tratativas diretamente com o público almejado. Ela visita templos, igrejas e mesquitas com um sorriso que deseja parecer amigável a quem ela não conhece, mas também expressa simpatia fingida e desrespeitosa por refletir seu olhar exotizado para culturas diferentes. Logo após a dor da perda de seu pai, Anita percebe a armadilha do “entusiasmo ingênuo” que ela tanto defendeu.
Por mais que disseminem o discurso de que a empresa precisa se modernizar frente às mudanças do bairro, ela e seus colegas funcionários da Yarden perpetuam o pacto colonial. Na sequência em que ganenses questionam a empresa sobre detalhes incompatíveis no que se oferta com suas cerimônias de luta, os funcionários soltam gargalhadas. Menos por se perceberem como alheios a demandas simples, como banheiros maiores ou horários ampliados, mas certamente por uma falha estrutural de acolhida e compreensão das especificidades culturais das diferentes etnias consultadas. Nada mais contundente que o contraste entre as salas vazias e assépticas da agência funerária e os festejos movimentados em celebração aos mortos nas demais comunidades.
* Visto na programação da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.