Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: Armugan (Jo Sol)

Por Camila Vieira

Rodado nos Pirineus de Aragão, região nordeste da Espanha, Armugan flana por uma paisagem rural em que personagens envelhecem isolados e em contato com a natureza. As imagens em preto e branco são dotadas de um rigor na composição: os atores estão quase sempre dispostos na centralidade do quadro, que só se desestabiliza quando alguém entra em movimento na cena. Os diálogos são poucos e, em muitos momentos, escutamos os personagens mediante voz off ou voz over. A atmosfera constrói uma temporalidade fora do cotidiano que superdimensiona a iminência da morte. 

Armugan é conhecido na região como o homem que oferece a última presença de conforto aos que estão prestes a morrer. Por ser uma pessoa com deficiência física, ele precisa ser carregado por Anchel, que o leva nas costas até chegar aos vilarejos que necessitam de sua companhia. A relação entre Anchel e Armugan é perpassada por cuidado e cumplicidade pela manutenção da vida. Ela pode ser tão frágil quanto os brotos que nascem e crescem nos pequenos frascos de vidro que ambientam a casa dos dois personagens. 

Uma mulher estrangeira aparece na região em desespero pelo estado terminal de seu filho pequeno, que está sofrendo. Armugan recusa eutanasiar o garoto. Ele insiste em oferecer apenas um acompanhamento de ordem espiritual. Neste embate com a materialidade do sofrimento, o filme altera o tom do registro misterioso e mítico para o debate pragmático em torno de quem tem o poder de interromper a vida. É um desvio que reposiciona o filme em outro lugar, que até simplifica o ponto de partida.   

* Visto na programação da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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