Por Camila Vieira
Para explicitar o mal estar de uma Romênia em que a crise econômica e social piorou com a pandemia da Covid-19, Radu Jude lança mão do registro da comédia na ficção Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental. No entanto, o cômico onde o filme quer chegar não depende apenas do jogo de interações entre os atores. Ele flerta com a forma como se forjam situações absurdas, em que o artifício é o tempo todo demandado de uma cena a outra.
Dividido em três atos ou partes, o filme começa com uma circunstância aparentemente simples na estrutura dramatúrgica: um homem e uma mulher se filmam durante uma relação sexual; o vídeo caseiro acaba vazando na internet; e a repercussão altera o cotidiano da mulher na escola onde ela trabalha como professora de história. O desdobramento de tal incidente poderia colocar no centro do debate apenas a gravidade da vida íntima exposta em público e a ampliação do efeito de moralização por meio do uso das novas tecnologias.
No entanto, Jude usa tal ponto de partida para desenvolver uma sátira da hipocrisia da sociedade romena. O segundo ato é povoado de imagens e frases curtas que preparam a tônica em torno de vários temas, que vão desde patriotismo ao distanciamento social. O movimento culmina na execração pública da professora pelos pais dos alunos em uma espécie de micro tribunal a ocorrer no último ato do filme. A cena abre margem para o aparecimento de personagens caricatos que enfatizam o ódio aos judeus e ciganos, destilam preconceitos contra homossexuais e recusam qualquer alteração dentro do tradicionalismo das instituições.
Se por um lado, há algum interesse em ver no filme marcações dos novos tempos pandêmicos (o elenco atua com máscaras de pano ou cirúrgicas), a aposta na ridicularização de todas as frentes possíveis esvazia o potencial político que o filme poderia alcançar. O exercício parece superficial e repetitivo por ser apenas um acúmulo anedótico e revela a fragilidade na condução.
* Visto na programação da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.