Por Chico Torres
Dois tempos é um roadiemovie em que Yamandu Costa e Lúcio Yanel exploram as regiões fronteiriças entre Brasil e Argentina. Uma busca que procura remontar as origens de Yanel, o primeiro mestre de Yamandu no ofício do violão. Yanel se radicou no Brasil e teve como primeiro lar a casa de Yamandu quando esse ainda era menino. Diante disso, o filme funciona como uma espécie de retorno ao lar, um presente de discípulo para mestre através de uma viagem em um trailer.
O filme não se furta do silêncio e a naturalidade do convívio que se estabelece entre os dois personagens faz com que a presença da câmera seja incorporada à rotina de ambos sem dificuldades. Ficamos com a sensação de que eles estão ali da forma mais autêntica possível, sem que os momentos de silêncio ou de diálogos vagos prejudique o filme. Logo fica visível a sabedoria de Yanel, uma sabedoria popular e que tem na experiência a sua grande validade. Em nenhum momento a figura de Yamandu se sobrepõe a do mestre. Como todos sabem, Yamandu é um dos violonistas de maior destaque no mundo, mas no documentário o seu papel é quase o de coadjuvante e a sua postura é a de alguém que está ali para aprender e para viver a amizade.
O retorno de Yanel representa também o modo como as coisas mudam e ao mesmo tempo permanecem ao longo do tempo, fazendo com que ele se reconheça e se afaste do seu lugar de origem. Mais do que diálogos sobre música (esses praticamente não existem no filme), o que se tem de pano de fundo é um conteúdo espiritual e filosófico que trata sobre destino, morte e fé, mas tudo sob uma simplicidade cativante. A mística do interior Argentino é resgatada através dos encontros com populares, com a visita ao cemitério, à estação ferroviária na qual trabalhou o pai de yanel, tudo isso regado à música tradicional gaúcha presente no Brasil e na Argentina.
Um filme que contempla paisagens, que se debruça sobre uma cultura subterrânea, que coloca dois grandes violonistas no seio da cultura que os alimentou, enfim, um filme honesto que não procura biografar seus personagens, mas deixa que eles sigam como os andarilhos que são.