Por Chico Torres
Em Ostinato, Paula Gaitán persegue o compositor Arrigo Barnabé. Não uma perseguição no sentido de almejar uma investigação total, como acontece em alguns documentários que se debruçam, com uma nostalgia sedutora e vendável, sobre a biografia de artistas, surgindo como heróis da tropicália, da bossa, do samba e por aí vai. Não, Paula persegue Arrigo como aquilo que ele é: um ser no presente, com inquietações, aspirações e dúvidas no presente. Persegue-o também como inspiração estética, buscando no próprio método do compositor as soluções para o filme que se dedica a ele.
E o que Paula captura é um homem fragmentado, ou, como no título de uma reunião de textos de Walter Benjamin sobre Baudelaire, “um lírico no auge do capitalismo”. São muitos os Arrigos que surgem: aquele que revolucionou a música popular brasileira ao antrofogizar o dodecafonismo de Schoenberg, o desdobrando em canção, substituindo o serialismo pelo ostinato. Há também aquele que surge como Beethoven, em semelhança física e intelectual: Gaitán filma Arrigo em close, como se quisesse reproduzir em fotografia o retrato mais famoso do autor alemão, pintado em 1820 por Karl Stieler. Logo em seguida, Arrigo cita a Grande Fuga e diz ser a música de Beethoven a expressão do “pensamento puro”. Assim é também a música de Arrigo: exigente, feita para desafiar o cérebro. Por fim, há um Arrigo crítico da contemporaneidade, expondo a decadência do gosto e a falta de comunicação entre autor e público. Um Arrigo confuso, quase nostálgico, um homem de vanguarda perdido em um tempo sem vanguarda.
Todas esses Arrigos que aparecem dispersos ao longo do filme, como que em série dodecafônica sem repetição, surgem novamente em seu final, como em ostinato, nos dando a ideia de organicidade, de completude, tal qual o método composicional de Arrigo Barnabé. Todas as ideias do músico, seus desafios e frustrações, parecem sintetizadas em uma bela citação de um fragmento de Benjamin feita por Arrigo:
E por que? Porque se curvou. Assim, o corpo é justamente o que desperta a dor profunda. E pode igualmente despertar o pensamento profundo. Ambas as coisas precisam do isolamento. Quem alguma vez subiu sozinho a uma montanha, chegou ao topo esgotado, e depois inicia a decida, com passos que abalam todo o seu corpo. Sentiu que o tempo se desagrega, as paredes divisórias no seu interior desabam, e ele caminha por entre o cascalho dos instantes, como num sonho. Por vezes tenta parar e não consegue. Quem sabe que coisa o abala, se os pensamentos ou o caminho difícil. O seu corpo transformou-se num caleidoscópio que a cada passo lhe mostra figuras mutantes da verdade.
Ostinato é sobre esse ser caleidoscópico que busca os fragmentos da verdade através de uma música construída na esfera do pensamento. É também sobre Paula Gaitán, sobre seu cinema agora inspirado na música, nesse esforço incomensurável de encontrar, ainda, novas maneiras de dizer, sugerindo novas maneiras de pensar e sentir.