Por Pedro Tavares
Há um trunfo simples e muito funcional em Para Onde Voam as Feiticeiras: a noção e intenção de desajuste. O filme de Beto Amaral, Elianne e Carla Caffé é de múltiplas abordagens e formas que notoriamente é paralelo ao seu tema. No caráter investigativo que remete aos trabalhos de Sylvain George, o filme se mistura às distintas abordagens como análise da sociedade.
Tão frontal e necessário quanto Cabeça de Nego (Déo Cardoso, 2020), também presente na seleção do Olhar de Cinema, Para Onde Voam as Feiticeiras é um filme-óvni de intensas interpelações documentais e de performance: o desejo de alguma clareza pela aproximação dos corpos – que esbarra nos transeuntes, vendedores, pregadores e moradores de rua– ao espaço delimitado para performances. Espaço este que não é respeitado, ele toma proporções maiores que uma simples delimitação para um expurgo frente às câmeras.
Neste ponto, o filme torna-se uma grande reação aos temas abordados por seus personagens: se há o espaço para alguma revisita ao passado, na mesma medida ele coloca minorias em confronto direto àqueles que os acurralam socialmente. Das imagens de arquivo às discussões sobre as reais posições na sociedade, do desejo sexual à crise que assola o Brasil, o que se vê é um panorama volumoso em temas e interpelação que reflete a complexidade de um país que afunda diariamente.
Com este sentido de um desajuste fílmico para os ditos desajustados sociais, a pulsão é vantajosa como um manifesto. É com ela que o filme abraça a posição de filme político, mas capaz de respingar no campo existencial. Nele sim as performances fazem seu sentido verdadeiro – conhecer os personagens com mais um panorama, como uma apresentação de uma trupe. A trupe é de artistas, mas para a sociedade, são tão perigosos como uma gangue pela simples existência. “Quero acordar, existir, não ser nada, sem peso”, diz um deles. O peso demonstrado por Beto Amaral, Elianne e Carla Caffé é real e a resistência é urgente.