Por Camila Vieira
É curioso como o longa-metragem O Tremor (Nilanadukkam, 2020), do indiano Balaji Vembu Chelli, propõe uma reflexão crítica em torno do apetite da mídia em se alimentar da tragédia humana. O interesse reside menos em desvelar a máquina de espetacularização dos meios de comunicação como tantos outros filmes já fizeram, mas compreender que comunidades continuam abandonadas à própria sorte em áreas de risco, sem provocar qualquer mobilização permanente de governantes e da opinião pública. Não há noticiário capaz de evitar o histórico sucessivo de catástrofes e abandonos.
Na trama, um fotojornalista é convocado para viajar até a vila de Kookal para registrar imagens de uma comunidade destruída pela ação de um terremoto. De início, o longo percurso cheio de ruas estreitas e sinuosas parece ser mais difícil do que ele imaginava. O contato com a paisagem montanhosa é permeada por imagens de outros incidentes de tremor que atingiram a vila. Um breve plano com a tela de teste com barras coloridas da TV indica que provavelmente são cenas já capturadas por emissoras locais.
Em meio a uma névoa branca densa que cobre a região, o fotojornalista pergunta aos moradores onde aconteceu o terremoto. Alguns dizem que foi em no vilarejo próximo. Muitas casas parecem estar abandonadas. Quanto mais o protagonista adentra no lugar, ele é levado a entrar em contato com fantasmagorias que cruzam seu caminho e que o fazem se perder em outros caminhos.
Enquanto o olhar do fotojornalista procura a racionalidade do registro imediato visível dos fatos, a paisagem oferece a ele indícios de desaparecimentos: moradores apontam para vilas arrasadas que ele não consegue ver. Os planos do filme vão se compondo com brumas esbranquiçadas, presenças que se esvaem, ruas vazias. A força de O Tremor como cinema reside justamente na construção da paisagem como um acúmulo de repetições trágicas no curso da história que se tornam invisíveis ao olhar de quem só quer capturar o momento imediato.
Visto durante a 44a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – 2020