Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: Notas breves sobre alguns filmes – Parte 1

Por Camila Vieira

Mate-o e Saia desta Cidade

Mate-o e Saia desta Cidade (Zabij To I Wyjedz Z Tego Miasta, 2019)

O diretor polonês Mariusz Wilczyński posiciona o imaginário caótico e sombrio de seu protagonista, um homem que teve muitas perdas e agora tenta recuperar na memória as imagens de quem morreu. Os traços dos desenhos são sujos no papel. As figuras humanas transformam-se em formas de animais. Cenas surreais são pontuadas com tinta vermelha como se fosse sangue jorrando. A animação cria um ensaio sombrio sobre o medo do envelhecimento e da morte.

Welcome to Chechnya

Welcome to Chechnya (2020)

A produção estadunidense da HBO carrega todos os vícios da maioria dos documentários protocolares feitos para a televisão. Os depoimentos são filmados como talking heads. Alguns personagens servem de guia para legitimar as informações. O recorte temático é investido de tom de denúncia jornalística. As imagens de arquivos são jogadas para reiterar a violência e chocar o espectador. Se por um lado, o que há de mais envolvente no documentário de David France é a forma como acompanha os personagens em fuga, outras estratégias enfraquecem o gesto de denunciar os abusos e as ameaças sofridas por LGBTQIA+ na Chechênia.

Kubrick por Kubrick

Kubrick por Kubrick (Kubrick by Kubrick, 2020)

Com uma estrutura protocolar em que a grande novidade parece ser a entrevista que Stanley Kubrick concedeu ao crítico Michel Ciment, o documentário de Gregory Monro não apresenta nada de diferente do que já se sabe sobre o cineasta estadunidense. Lá estão informações sobre o perfeccionismo de Kubrick, seu desgaste com os atores que repetiam inúmeros takes, sua forma inventiva de filmar, os trechos de seus principais filmes. Não escapa do tom celebratório da maioria dos documentários que revisitam a vida e a obra de grandes cineastas.

Limiar

Limiar (Threshold, 2010)

Da dupla de diretores e roteiristas Rouzbeh Akhbari e Felix Kalmenson, Limiar é um filme de paisagens e derivas. A narrativa em torno de um cineasta que busca locações para seu novo filme é um pretexto para visitar galpões abandonados, monumentos em ruínas, territórios desérticos. Os planos sequências exploram a espacialidade pelo movimento suave dos travellings. Em meio à neve e à paisagem acinzentada, ele pega carona com moradores locais e encontra celebrações nas comunidades.

Mosquito

Mosquito (2020)

O grande problema de Mosquito (2020), do moçambicano-português João Nuno Pinto, é tomar uma história pessoal – inspirada na vida do avô do diretor – como instrumento para a construção de uma grande narrativa sobre a decepção com o sonho em defender uma nação e menos como questionamento sobre as consequências do colonialismo português. O delírio do personagem em planos desfocados e distorcidos é só uma engenharia para reforçar estereótipos de imagens dos nativos de Moçambique. Não ter nem mesmo legendas para as falas do outro representado já é sinal bem contundente de como a cena se coloca pela perpetuação do olhar colonizador. E mesmo que a trajetória do personagem principal seja cheia de obstáculos, a raiva final tá longe de provocar qualquer desestabilização.

Vistos durante a 44a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – 2020

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