Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: Miss Marx

Por Camila Vieira

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Como a maioria das cinebiografias inspiradas na vida e na obra de personalidades históricas, Miss Marx não deixa de seguir algumas características: as cartelas situam os anos de cada acontecimento; a narrativa é linear e procura abarcar eventos importantes; a caracterização de figurinos e cenários aproximam-se do contexto da época. Dentro dessa estrutura mais tradicional do subgênero, a diretora e roteirista Susanna Nicchiarelli também insere uma roupagem pop e contemporânea ao filme: os letreiros floridos, as músicas de rock do grupo Downtown Boys e a insistência em levar a personagem a quebrar a quarta parede e falar diretamente para a câmera.

Há quem imediatamente possa associar o que Miss Marx elabora com o mesmo gesto de encenação proposto por Sofia Coppola com Maria Antonieta (2006). Mas a direção de Nicchiarelli é bem mais sisuda, menos fluida e mais propensa à seriedade ao retratar um período da vida de Eleonor, a filha mais nova de Karl Marx. É curioso como a fluidez sensorial que caracteriza boa parte do trabalho de direção de fotografia de Crystel Fournier (principalmente em parceria com Céline Sciamma, em Lírios d’Água, Tomboy e Garotas) parece se apagar em meio à composição de planos frontais em que a centralidade da personagem no quadro é colocada como primeira opção na maioria das sequências.

Ao abordar uma personagem que se colocou à frente das lutas trabalhistas, dos direitos das mulheres e na defesa do pensamento do próprio pai, o filme não se permite ser disruptivo à altura da força da própria personagem que retrata. O máximo que consegue escapar de sua própria estrutura convencional é criar uma sequência em que a personagem dança um rock, com seus longos cabelos soltos e roupas soltas esvoaçantes. No restante da trama, tudo parece convergir em um grande retrato de resignação e passividade da personagem, com uma ou outra mudança aqui e ali que não altera em nada a ordem dos fatores.

Em boa parte das cenas, o que se vê é uma personagem conformada às situações que surgem: ela prefere preservar a boa imagem deixada pelo pai; mal consegue verbalizar o que incomoda na relação a dois com Aveling; e até mesmo mantém uma jovem como criada, sem questionar sua ação em casa como contraditória em relação ao seu discurso público contra a precarização do trabalho de mulheres. Quando finalmente tenta explicitar algum incômodo maior da personagem – sobretudo em relação à sua posição como mulher –, Miss Marx ora engana com a encenação de um trecho de Casa de Bonecas, de Ibsen, ora transforma o apelo em um solilóquio que pode até funcionar como discurso, mas que se dilui fácil em posição aos atos da personagem.

Visto durante a 44a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – 2020

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