Por Camila Vieira
Com olhares cabisbaixos, corpos estáticos ocupam paisagens em um vilarejo na costa da Galícia, na Espanha. Um homem encontra-se sentado em uma pedra na beira do mar. Um casal permanece na margem da estrada. Outro homem está em pé próximo à parede de uma barragem. Uma senhora idosa continua levantada na sala de estar da sua casa. O ambiente sombrio do lar é invadido pelo ruído de passos de alguém que já não está mais ali. Quem desapareceu foi Rubio, um marinheiro que se aventurou pelo mar em um barco naufragado como tantos outros da comunidade.
Para dimensionar a ausência de um morador importante para a vila, Lua Vermelha (Lúa Vermella, 2020), do espanhol Lois Patiño, constrói uma atmosfera em que o tempo parece ficar em suspensão. Os personagens não se movem, mas falam por meio de voz over. O que eles contam são histórias fantásticas que envolvem a viagem de Rubio, o possível encontro com um monstro, o aparecimento misterioso de uma rocha em formato de uma onda na praia, a presença da lua vermelha. As sequências se alternam a cartelas com trechos dessa narrativa. Enquanto os peixes boiam mortos na beira do mar, cavalos e até mesmo uma cabra são os poucos animais a se movimentarem pelos espaços.
Quando aconteceu o desaparecimento de Rubio? Há mil anos? Não se sabe ao certo há quanto tempo os moradores estão assim. “Nós somos o sonho de alguém. O sonho de um mar adormecido”, diz um deles. As poucas mulheres que aparecem são a mãe de Rubio e as três bruxas convocadas por ela para trazer o marinheiro de volta. Elas são as únicas mulheres com o poder de caminhar pelos ambientes, cobrir os corpos com lençóis – algo que permite uma visibilidade iconográfica dos moradores como fantasmas da vila – e vasculhar os vestígios deixados nos barcos naufragados.
A dilatação da duração dos planos, a localização dos corpos como figuras diminutas na paisagem, a cor rubra intensa a invadir as imagens, o som de mar e de vento ruidoso, os lentos travellings a revelar a monumentalidade dos espaços vão compondo a atmosfera de Lua Vermelha. Os habitantes da vila figuram existências sideradas pela mitologia da vila, em que as imagens e os sons são orquestrados em uma espécie de ritual próprio.
Visto durante a 44a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – 2020