Os Escravos de Jó (Rosemberg Cariry, 2020)

Por João Pedro Faro

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O último filme de Rosemberg Cariry exibe um fenômeno cinematográfico bem específico: um clima cansado e tardio de obras que parecem pertencer à retomada do cinema brasileiro da década de 90. A fixação por temas totalizadores, estética televisiva e a planificação de simbolismos são algumas características desse tipo de cinema que ainda persistem em cineastas como Cariry. O diferencial maior, que separa essas duas décadas, é o baixo orçamento atual e sua tentativa de adequação à agendas políticas em pauta.

Recontando o mito grego de Édipo por vias confusas, Os Escravos de Jó estrela um grupo de diferentes personagens na cidade de Ouro Preto em conflito com suas descendências. O estudante judeu órfão (Daniel Passi) que se apaixona por uma jovem árabe (Daniela Jesus) enquanto flerta com uma francesa (Romi Soares), aprendiz de um idoso sionista (Everaldo Pontes), mais parecem ter saído de um anedota de mau gosto do que da recontextualização de uma tragédia. Inicialmente, a falta de naturalismo das atuações e o nível desconcertante das caricaturas podem até parecer escolhas estilísticas arrojadas, mas o desenvolvimento do filme de Cariry e a seriedade falsamente poética que tenta empurrar em sua pretensão política risível não deixam dúvidas de que tudo se trata de um tenebroso equívoco em forma de cinema.

Diálogos com frases como “vamos mandar um e-mail para o Latuff, grande ativista pela causa palestina” ou então o ataque bizarro de um grupo de personagens contra um imigrante árabe berrando os mais inacreditáveis clichês colocam em cheque a mistura de má consciência política e péssima condução fílmica. Personagens que parecem caracterizados para uma esquete de comédia de baixo orçamento e colocados em conflitos políticos rasos não fazem jus tanto à tragédia da realidade quanto do próprio universo fantasioso que o filme parece querer situar-se. Estruturado em um esquema de debate cena-a-cena, nada que sai da boca dos protagonistas vai além do esperado de uma vergonhosa discussão corriqueira nas redes sociais. E tudo piora quando a narrativa decide tornar-se ainda mais destrutiva no ato final, percorrendo os caminhos da história de Édipo que surgem quase que aleatoriamente na narrativa.

As imagens criadas por Cariry não vão além de uma decupagem encontrada em qualquer programa educativo da TV aberta. Sempre que um personagem decide ser didático sobre algum dos diversos assuntos abordados sem grande desenvolvimento, a câmera aproveita um plano médio que coloca locutor e interlocutor juntos para a conversa. Além disso, quase todas as cenas estão devidamente iluminadas por luzes brancas que criam planos chapados, aumentando a atmosfera de televisão com pouco dinheiro que precisa otimizar imagens em prol de um funcionalismo fácil. Não existe qualquer valor de interesse quando se trata de cinema em Os Escravos de Jó. Os enquadramentos são pobres em preenchimento, criação e ideias, acreditando que podem ser apoiados pelo o que está sendo demagogicamente dito pelas figuras que filma. No caso, o que está sendo dito é tão raso e juvenil quanto o que está sendo filmado.

Os Escravos de Jó apresenta uma série de conceitos que fracassam antes mesmo de serem executados. Seu desejo por alguma consciência política sempre sugere ser uma âncora, mas só afunda ainda mais o filme quando expõe que seu conceito de “político” gira entorno de cenas como uma jovem palestina tirando fotos íntimas com seu celular, apenas para se tornar a falsa musa de um amante judeu. É desse tipo de ideia para pior, embalado em uma noção visual que já pareceria fora de lugar há duas décadas. Um caso de cinema excessivamente didático que parece deseducar qualquer um que assista.

Visto na 23a Mostra de Cinema de Tiradentes

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