NÃO À CASUALIDADE: Experimental Film Society, Tao Films e Slow Cinema em tempos de Internet.

Por Pedro Tavares

Phantom Islands (Rouzbeh Rashidi)
Phantom Islands (Rouzbeh Rashidi, 2018)

Se há a chance de chamar este notável bloco de filmes e autores de “nova onda” para o slow cinema – termo sempre a questionar -, é possível também notar muitas semelhanças entre eles. Ainda que fortemente influenciados por nomes como Abbas Kiarostami, Béla Tarr e Chantal Akerman, este grupo se associa a estes artistas por outros vieses.

A maior força para eles está na internet. A Experimental Film Society e a Tao Films, produtoras e distribuidoras de filmes online reúnem uma gama expressiva de cineastas e filmes com o mesmo caráter: o não à descrição excessiva, a expansão do outro e a entrega dos limites do drama à câmera e não aos personagens – logo a concessão a quem vê. Filmes como Osmosis, do grego Nasos Karabelas, e Inside, de Vicky Langan, e Maximilian Le Cain, a exemplo, pouco dialogam na abordagem, porém arrematam qualquer possibilidade de realismo na maneira que a câmera está para os corpos a filmar. O tempo expandido, maior característica do slow cinema, está em novos códigos.

O diretor Mike Higgis em At One Fell Swoop faz um filme de horror no qual a câmera, objeto de observação e de louvor, é também o objeto de construção do suspense – é a partir dela, salientada por Higgis, que vemos uma amálgama de imagens que norteiam o diálogo com o gênero. O mesmo pode ser dito de Phantom Islands, de Rouzbeh Rashidi, um filme que entrega seu monólogo ao dispositivo – consequentemente ao espectador – e assim permanecerá livre para qualquer abordagem e associação.

 

At One Fell Swoop (Mike Higgins,2015)
At One Fell Swoop (Mike Higgins,2015)

É importante lembrar a noção de tempo em dias de internet e bombardeios de informações: a EFS e a Tao não se limitam a filmes curtos, mas muitos destes filmes são diretos, numa dicotomia curiosa. O tempo está mais em como se conta e não o que se conta. Alguns são diretos, sobre relações humanas e o mundo ao redor – a destacar o ótimo Centaur, de Aleksandra Niemczkyk. Outros são sobre a inexatidão e a partir dela que os filmes se tornam modelos de investigação: The Story of Drifting Cities, de Michael Higgins, e Du Côté de lá Réalité Immédiate, de Pierre Villemin, tiram o prazer do olhar e o instigam, cada um a sua maneira, e tiram da zona de conforto da contemplação. Esses filmes se deslocam de um rigor que se foca em fragmentos da vida para contar vidas inteiras no qual imagem e palavra se abraçam sem separação definitiva e oferecem um quadro fenomenológico para compreensão da sociedade e uso e apropriação de imagens e de dispositivos.

É um regime curioso, pois pouco vemos travellings ou movimentos despercebidos de câmera – a citar Béla Tarr. Estes filmes não são regidos pela lógica e pelo espaço e dão à câmera sua potência a fórceps, com paciência suficiente para que seus planos fixos tenham efeitos hipnóticos que contribuem para a noção da força do dispositivo. O caso mais explícito dessa noção é Distant, de Zhengfan Yang, filme gêmeo de Milky Way, de Benedek Fliegauf, que aborta qualquer possibilidade de encontro com a mise en scène clássica e aposta no espaço entre corpos e câmera como o diálogo ideal, como se o filme vivesse no fosso entre plateia e tela (ou palco). É a entrega completa da diegese ao seu aparato. Cabem as palavras de Roland Barthes, em De la Science à litterature:

  • Tecnicamente, segundo a definição de Roman Jakobson, a “poética” (quer dizer, o literário) designa aquele tipo de mensagem que toma sua própria forma como objeto e não seus conteúdos.

distant
Distant (Zhengfan Yang, 2013)

Em comum, os filmes nos catálogos da Experimental Film Society e da Tao se mantém entre o encanto e o mistério. São filmes que residem na coreografia do fantástico e não da rotina, contrariando Akerman e Kiarostami. Este ensaio sobre o outro – resumindo grosseiramente estes blocos de filmes -, ressoa no tempo que nasceu: o fluxo de memória e esquecimento como cita Marc Augé, lembrado por Christine Mello em seu texto Imagem Digital Como Memória, que questiona: “Não seria este estado de suspensão, produzido no corpo, uma tradução imagética da chamada instantaneidade contínua?” A característica da oposição à urgência dos tempos de redes sociais, contrário à percepção geral de um novo tempo, cria fissuras nítidas e provavelmente justifique a tendência fantástica ao realismo; o simulacro narra, não exibe.

Temos, portanto, empenhos distintos com finalidades semelhantes e extremamente relevantes; a tentativa de manter intacta a inflexibilidade da linguagem ao mesmo tempo em que considera a mudança de percepção do público. A Tao e a EFS servirão como porta para muitos diretores hoje patronos do que chamamos de slow cinema, como um gradual crescendo sobre a dimensão de tempo e a linguagem cinematográfica.

O cume desta escalada está na ciência da internet não como alternativa e sim como a certeza do consumo destes filmes; ainda que feitos para a grande tela – como qualquer outro filme -, o video on demand é a via para o encontro direto com o público interessado neste nicho e a construção de uma filmografia rica já assumindo a firmeza do consumo a partir do imediatismo e de uma nova identidade para o tempo. O reflexo é nítido nos filmes e contrabalancear com nada mais que uma nova abordagem para este gênero é mais que uma saída possível. É uma forma de renovo.

Links externos:

TAO FILMS

EXPERIMENTAL FILM SOCIETY

 

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