CINEOP: O DESMONTE DO MONTE (Sinai Sganzerla, 2018)

o desmonte do monte

Por Gabriel Papaléo

Viver no Rio de Janeiro traz sentimentos díspares como se espera de toda metrópole, com seus cartões postais, as belezas quase irreais, todo um imaginário artístico criado em volta, mas também o movimento frenético, olhares perdidos, rotinas desesperadas, as desigualdades socais. O contexto social está sempre em pauta diante da criação de memórias de uma cidade como o Rio porque os lugares guardam históricos, e alguns deles são carregados de opressão. O Desmonte do Monte, filme de Sinai Sganzerla, trabalha com essa presença fantasma de memórias opressoras, o horror da falta de registros, e os apagamentos urbanos que a causaram.

A estrutura abraça um didatismo nesse olhar procedural da historia que muito dialoga com Dawson City nesse sentido. Poucas vezes sai dessa escolha narrativa, mas nos momentos de retratar a queda iminente do monte Sganzerla assume uma dinâmica de filme de horror, no retrato de uma paisagem frágil e literalmente fadada ao desaparecimento. O som didático torna-se sugestivo, a trilha eclética larga a ironia e se concentra em momentos de suspensão cuja tensão emana especialmente da voz fantasmagórica de Helena Ignez.

O interesse historiográfico aliado a essa tentativa de articular o sentimento da perda sensorialmente carrega a montagem pelos 85 minutos sem que os dados cansem, ou que o tom solene enfraqueça a potência dos fatos. A recriação dos momentos históricos por relatos pessoais, seja de historias orais e fotografias amadoras a matérias de jornal e obras de arte, relembra que o curso narrativo discurso da Historia dos vencedores arranja esses documentos para gerar uma ideia, e o que Sganzerla faz aqui é esse esforço de organizar a Historia para privilegiar fatos que não tiveram acesso a ela – algo antropológico, por assim dizer.

As mazelas sociais do Brasil expostas em tela reforçam o discurso de minorias cuja Historia lhes foi negada, do apagamento indígena aos poderes que se renovam através de relações pessoais – o homem cordial, por assim dizer -, e a forma que por vezes o discurso fílmico fica redundante acaba devendo às repetições históricas que aqui sofremos. As limitações de O Desmonte do Monte acabam revelando sobre nossa própria historia corrupta como país, cujos instrumentos de opressão mantém-se dolorosamente similares. O impacto emocional das perdas de minoria soam menos desesperadores que em retratos com recorte mais específico – como a recente obra-prima Martírio, por exemplo – e algumas escolhas estéticas tratam de forma direta demais as associações do filme – como a escolha de For the Love of Money para tocar no momento em que a especulação imobiliária ali se revela – mas essas limitações originam dessa própria disposição de enxergar no monte um exemplo para nossa organização social enquanto país.

Falar sobre um panorama brasileiro tem dessas fragilidades, mas o recorte de Sganzerla é concentrado o suficiente para dar seu soco de revide com potência.

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