Entrevista: Robert Mockler

1A Behind the Scenes

Por Pedro Tavares

Como cineasta independente em tempos de mudanças extremamente rápidas, Like Me é o projeto de uma vida, mas um projeto volátil, possível de adaptação conforme essas mudanças e interpretações de mundo através de dispositivos eletrônicos. A melhor solução está no filme: usar os dispositivos como grande suporte narrativo. Conversei com o diretor Robert Mockler sobre o processo e sua relação com câmeras, celulares, YouTube e afins que colocaram Like Me como concorrente ao prêmio do júri no South by Southwest em 2017.

  • Começo com uma questão pessoal: Há muito tempo não via um filme de gênero que lide de forma tão frontal com a imagem e sua função e me impactou bastante – me remetou a uma aproximação dos valores de Videodrome. Como foi a composição deste mundo lisérgico de Like Me?

Isso é ótimo de ouvir. Videodrome foi uma grande influência. O filme levou um bom tempo para se desenvolver. Houve diferentes versões do roteiro ao longo dos anos, mas sempre houve a ideia do surreal e do imaginário, no qual é muito ligada à perspectiva da protagonista. Eu quis explorar a solidão de quem estava prestes a explodir com uma crise existencial e que se rebelara contra um mundo absurdo e sem equilíbrio. O imaginário é informativo a partir de seu estado emocional volátil e do mundo construído em sua cabeça.

  • Há proto-interlúdios muito interessantes no filme, alguns flertam com a vídeo-arte, outros com a função do vídeo e um deles é um irônico tutorial do YouTube. Como se deu o equilíbrio entre elas e a narrativa durante a montagem do filme?

Muito do balanço do filme veio durante o processo de escrita. Mas, claro, nunca se sabe como essas coisas ficarão até começar a colar uma peça na outra. Foi mesmo uma questão de tentativa e erro e sentindo o fluxo das coisas pela experimentação até Jessalyn Abbott, meu parceiro na edição, e eu, sentirmos a energia certa para transmitir as ideias que nos interessava.

As montagens surreais são como mergulhos profundos no cérebro de Kiya. A intenção era transmitir um tipo de existência fragmentada e abrir uma janela para um fluxo de emoções. Às vezes, as emoções colidem de forma dissonante e desagradável. A realidade de Kiya persiste em ser capturada, editada, curada ou suspensa com certo estilo. Simultaneamente, ela está em guerra com sua própria biologia. Seu senso de identidade é confuso e obscuro e sua percepção do mundo é aumentada pela adrenalina, raiva, alienação, vazio, etc. Coisas que lutei toda a minha vida do meu próprio jeito e continuo a lutar.

Há também o senso de sufoco pela informação – o sentido de sempre consumir alguma coisa. Esse consumo é revigorante e doente ao mesmo tempo. Essas ideias e sentimentos foram pretendidos nessas sequências.

2A Behind The Scenes

  • Falando sobre imagens, no filme há diálogo direto com seus dispositivos, texturas, etc. Do celular à câmera HD e ao VHS – uma espécie de desencanto e articulação sobre a geração atual. Como foi lidar com esta dicotomia profundidade vs. superficialidade para tirar dela a coesão narrativa?

Foi complicado. Nós estávamos cientes que poderia ser mero exercício de estilo. Exploramos um mundo e uma cultura que à primeira vista pode ser composto por superfícies que levariam à conclusão de simples estímulos. De qualquer modo, nós tentamos explorar mais que vísceras. Mas, claro, quem quiser pode assistir e experimentar apenas as camadas.

  • Como complemento ideal, Like Me tem aspectos visuais muito fortes. Fala-se muito das referências de Dario Argento, principalmente nas sequências passadas em hotéis. A presença de Fessenden remete a um histórico de filmes de terror, sem contar à citada referência a Videodrome. Pode nos contar mais sobre suas bases para chegar até Like Me?

Eu amo Suspiria e foi uma influência no início. As Pequenas Margaridas de Věra Chytilová foi uma forte influência. Eu e Jessalyn assistimos diversas vezes durante a pós-produção. O uso de cores e a edição de Věra Chytilová foram especialmente inspiradoras. Ela criou uma linguagem afetuosa e intoxicante única que influenciaram muito as montagens surreais que nos referíamos antes. Sempre fui fascinado com o surreal. Amo filmes que constroem seu próprio mundo. Interessa-me quando o mundo emana a cabeça do protagonista. Tim Burton, Jodorowsky e Jean Cocteau são importantes para mim nesse sentido.

Enter the Void do Gaspar Noé teve um grande impacto em mim. Parecido com o impacto de 2001: Uma Odisséia no Espaço. O filme de Noé me fez repensar as possibilidades do cinema.

  • Recentemente o filme foi lançado em vídeo on demand enquanto ainda estava em selecionadas salas de cinema dos EUA. Já que Like Me é um filme sobre o consumo incessante de imagens, você vê o consumo de filmes através de aparelhos celulares? Acha que o homevideo hoje é a melhor saída para suprir a deficiência de distribuição de filmes independentes?

Não sei, realmente. O que posso dizer é que não gosto da ideia de filmes vistos em celulares. Me parece impossível imergir em um filme desta maneira. Eu gosto muito de assistir esse clip do David Lynch sobre o assunto: https://youtu.be/wKiIroiCvZ0

Home theaters estão cada vez mais sofisticados, então parece uma opção. Claro que os resultados podem variar. Eu gosto que a tecnologia oferece ferramentas para cineastas independentes alcançarem o público, mas eu gostaria que filmes “menores” encontrassem mais salas de cinema.

Acredito que nada pode alcançar a experiência de assistir a um filme no cinema. É o mais próximo que podemos de dividir sonhos com estranhos. É mágico.

3 A behind the scenesLeia mais: Desespero Lollipop: Desmistificando a imagem em Like Me

FacebookTwitter