Ambição e ingenuidade
Por Camila Vieira
Por Trás da Linha de Escudos, de Marcelo Pedroso, é o fracasso de um projeto que ambicionou ser maior do que realmente é. Ao fazer um documentário dentro do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco, o grande desafio era encontrar uma maneira de escutar os policiais, pelo gesto de se posicionar do outro lado do front de batalha, já não mais dos manifestantes que protestam nas ruas. Se, para Jean-Louis Comolli, filmar o inimigo é de alguma forma se colocar do lado dele e compartilhar a mesma cena, Pedroso parte da mesma premissa e toma a decisão espinhosa de não partir para o confronto.
No entanto, a postura de não confrontar precisa caminhar junto com a necessidade de desmontar o inimigo em sua própria história e conseguir descrevê-lo com suas contradições para que possa aparecer como tal. Ao longo do filme, Pedroso indaga os policiais, procurando compreender suas motivações dentro da dinâmica de trabalho, enquanto acompanha os diversos treinamentos da tropa e operações habituais do exercício da função. As perguntas jamais são colocadas em tom de ataque, mas de curiosidade em relação a como funciona o efetivo. A fragilidade do filme não repousa na opção pelo não confronto, mas em não conseguir encontrar estratégias que apontem para a complexidade de ser um policial militar dentro do atual contexto histórico do Brasil.
O dispositivo de escuta de Pedroso em Por Trás da Linha de Escudos leva a dois caminhos igualmente problemáticos: a repetição exaustiva dos argumentos dos policiais dentro do discurso oficial (eles sempre respondem que estão cumprindo normas e leis, como braços do Estado, e que não existe espaço para emoção) e a observação do modus operandi dentro do batalhão na linha da aprendizagem de como se tornar um bom policial. O que se obtém nas filmagens parece seguir uma abordagem institucional ou não escapa de perguntas que a própria polícia já se acostumou a ouvir (não é a toa que o primeiro coronel entrevistado não consegue distinguir a equipe de cinema de uma equipe de imprensa qualquer).
Se ao lado do batalhão não se produz nada além do oficialesco e do institucional, resta forçar uma pretensão crítica em outro lugar: intercalar com os registros do confronto da polícia com os manifestantes no Movimento Ocupe Estelita em 2014 e com imagens icônicas a serviço de uma certa leitura simbólica do país (a bandeira do Brasil repleta de carrapatos, bonequinhos de manifestantes e polícia em um jogo tabuleiro, o céu da bandeira que se torna escudo com a faixa de “ordem e progresso”). No entanto, o esforço de crítica é acomodado em uma sucessão de imagens que não provocam qualquer ruído no que já foi dito.
Mesmo nos trechos em que se acena um contraponto, como é o caso da sequência em que Pedroso está na ilha de edição e coloca lado a lado a foto de um manifestante sangrando e outra de uma mulher sorridente com os policiais, o olhar é apenas de ingenuidade. Parece que é aí que o cinema abdica da crença em sua capacidade de produzir desvio. O reforço da pose do diretor ingênuo e em crise com o material que tem em mãos é agravado pela arrogância de acreditar que está compreendendo o lado humano do batalhão de choque. Um dos policiais se enxerga como um cidadão comum que também sofre. Mas se o filme não se interessa em investigar isso e se limita a ouvir o policial e não a pessoa para além de sua missão profissional, a busca pelo humano fica só no discurso.