Entrevista com André Novais

Por Fábio Feldman

Numa quinta nublada de abril, voltei aos arredores da Filmes de Plástico, a fim de me encontrar com o André Novais. Tímido, o diretor dos belos Fantasmas, Pouco mais de um mês e Ela volta na quinta (a ser lançado nacionalmente no próximo semestre), admite, de cara, que entrevistas não são muito sua praia. O que, em certa medida, amplia ainda mais o meu interesse pelo que tem a dizer. Prestes a retornar a Cannes, onde exibirá seu novo curta, Quintal, André conversou comigo sobre suas expectativas, seus interesses e suas opiniões acerca do cinema nacional, da cena belorizontina, de sua própria obra e de uma série de outros tópicos.

De que forma você avalia o cinema brasileiro contemporâneo, tanto em relação aos realizadores, quanto à distribuição e ao retorno que o trabalho tem dado? Nós nos encontramos hoje em um bom momento para o cinema brasileiro?

Pra mim, o cinema brasileiro vive um bom momento. A produção cresceu bastante por vários motivos e existem filmes bem interessantes se destacando. Tenho curiosidade por grande parte do que é produzido no país, principalmente os filmes que chegam aos festivais. Claro que existem problemas de falta de verba, dificuldade na distribuição e muitas e muitas coisas, mas digo em termos do que vejo, e há muito que me agrada.

E como você se sente sendo, nesse contexto, uma das grandes promessas do cinema contemporâneo? As pessoas esperam muito de você, isso é algo que te angustia, que te motiva?

Bom, não sei se é bem assim, mas é legal quando algumas pessoas incentivam. É algo que anima, que me leva a querer fazer mais filmes.

Diminuindo um pouco o escopo, você acredita que exista, hoje, uma cena em BH? Já ouvi relatos contraditórios, daqueles que percebem coesão e articulações fortes dentro do espaço de produção cinematográfica belorizontino, e dos que insistem que, mesmo havendo uma quantidade ampla de realizadores e produtoras, não há muito diálogo entre eles.

Tem muita gente fazendo filmes aqui. Muitos grupos diferentes, muitas produtoras. Em algumas eu vejo uma certa afinidade, em outras não. No caso da Filmes de Plástico eu vejo muita afinidade com a El Reno Fitas, Entrefilmes e também com a Leben 108, por exemplo. Às vezes, não tanto pelas temáticas dos filmes, mas por ser meio que a mesma galera mesmo, de alguns terem vindo dos mesmos lugares, mesmas escolas, e por trabalharmos nos filmes uns dos outros. Mas não acho que seja tudo da mesma turma e acho que existem coisas bastante diferentes sendo feitas.

Set de Ela volta na quinta (2014). André Novais ao lado da atriz Maria José Novais Oliveira e do diretor de fotografia, Gabriel Martins.
Set de Ela volta na quinta (2014). André Novais ao lado da atriz Maria José Novais Oliveira e do diretor de fotografia, Gabriel Martins.

Falando em influências, eu gostaria de saber um pouco sobre as suas, tanto no que diz respeito ao cinema internacional quanto ao nacional. Quais são os autores que você toma como referências?

Eu gosto muito de cinema brasileiro em geral, tenho muito interesse em pesquisar sobre cinema brasileiro. Pesquisar, assim, do meu jeito, né? Cinema Marginal me interessa bastante. Cinema Novo também. E o cinema contemporâneo brasileiro, que é o que mais me influencia – e acaba que me influenciam muito as pessoas que fazem filme com a gente, dentro da Filmes de Plástico. Tenho muita influência do Gabriel, do Maurílio… Lá fora, há várias coisas que eu gosto também. Nos meus últimos filmes, acho que a influência mais clara é, sei lá, o Kiarostami, o Cassavetes, tem o Charles Burnett também – principalmente com o “Matador de ovelhas”. E é isso, muitas coisas. Gosto de filme americano também, principalmente década de 40. Tenho muita influência de Billy Wilder.

É mesmo?

É. Tipo, não é influência direta, mas é algo que eu gosto bastante. Billy Wilder, Howard Hawks.

Entendi. Bem, queria focar mais no seu cinema especificamente e perguntar sobre o seu processo. Muito já foi dito sobre algumas características correntes dos seus filmes, como o diálogo que estabelecem com uma certa estética documental, o fato da raiz deles ser episódios da sua própria vida, e de sua família e amigos interpretarem todos os personagens. Isso tudo dá à audiência uma impressão de espontaneidade, uma ilusão muito forte de realismo.  Como se dá a elaboração dos seus roteiros? Num filme como o Ela volta na quinta, tudo o que vemos na tela foi planejado de antemão, tudo é roteirizado de modo criterioso, ou há espaço para improvisação? Como se dá isso?

Bom, em relação ao jeito que as pessoas vêem, eu já costumo ver o contrário. Não vejo esse lado documental. Meus filmes são ficcionais o tempo todo. Pode haver alguns elementos reais, mas eles não são sobre a minha vida. E os quatro, Fantasmas, Pouco mais de um mês, Ela volta na quinta e, agora, o Quintal, todos eles têm roteiros mesmo, a grande maioria dos diálogos está lá, assim como praticamente todas as cenas. Mas há espaço pra improvisação também. No Ela volta na quinta, por exemplo, tem muito essa coisa de haver um diálogo no roteiro, só que, na verdade, não há o diálogo todo. Tá só o começo do diálogo e o resto é desenvolvido em cena. Ou então existe o começo e o fim do diálogo, só que o meio vai ser desenvolvido na cena mesmo.

Ela volta na quinta (2014)
Ela volta na quinta (2014)

E em relação aos atores? Uma das coisas que eu considero mais impressionantes nos seus filmes é o fato de você trabalhar com atores não-profissionais e extrair deles essas interpretações incríveis! Como você consegue isso? Você dá liberdade pra eles fazerem o que quiserem? Há uma bateria exaustiva de ensaios?

Geralmente, é bem simples. Eu tomo o cuidado, bem antes, de ler o roteiro com eles, mas não deixar o roteiro, pra que não decorem as falas. Realmente, há poucos ensaios. Algumas cenas tinham, no máximo, três.

Você não deixava o roteiro com eles?

Não. Pra tentar que o texto não seja decorado. E acho que ajudou bastante a questão de montar uma equipe ideal, que ficasse amiga da minha família, e não fosse muito numerosa. Não queria que tivesse muita gente no set, pra deixar os atores à vontade. Minha busca é deixar os diálogos o mais espontâneos, captando o real mesmo, o jeito que as pessoas conversam, sabe? Os assuntos também. Porque às vezes as pessoas conversam sobre banalidades mesmo, isso é normal. Agora, não quer dizer que eu vá escrever diálogos sempre desse jeito. Mas nesses filmes foi assim.

Bem, indo dos atores aos personagens. Acho espantoso o fato de personagens como os seus serem tão raros no cinema brasileiro. Parece-me existir uma quase absoluta ausência de representação do dia-a-dia de famílias negras de classe média. Até que ponto isso é uma preocupação sua? Esse elemento político é uma motivação pra você?

Há uma motivação política, sim. Da coisa simples de representar o negro com respeito. O negro é quase sempre apresentado em meio à violência, tráfico de drogas, essas coisas. E, em relação não só ao negro, mas às pessoas da periferia como um todo, falta representação. Na periferia, existe violência, mas há famílias pra quem isso não é o assunto principal do dia. No caso do Ela volta na quinta eu foco essas questões dos relacionamentos amorosos dentro da periferia. Porque dá a impressão que isso não existe, mas existe.

Você acha, nesse sentido, que há um diálogo entre o que você faz e o que o Adirley Queirós faz, por exemplo?

Acho que tem tudo a ver. Eu gosto demais dos filmes dele, estão entre os que mais me influenciam hoje em dia. A gente se conheceu em 2006. Eu lembro que ele estava num festival com o Rap, o canto da Ceilândia, que foi o primeiro curta dele, e eu estava lá com o primeiro curta que eu fiz também. E naquela época foi muito importante, pra mim, perceber que alguém estava falando sobre um assunto com que eu me identifico tanto.

Quintal (2015)
Quintal (2015)

Nesse ano, você volta a Cannes, com o curta Quintal. Certamente, muita gente vai encará-lo como uma ruptura com o tipo de cinema que você fez até o momento – opinião que eu, particularmente, não subscrevo. O que você tem a dizer sobre isso? Como você enxerga o filme no interior mais amplo da sua filmografia? Trata-se mesmo de um corpo estranho?

Eu acho que há pontos de contato com o que eu fiz antes, é um desdobramento natural, talvez. Não é bem um corpo estranho, mas, ao mesmo tempo, é um filme diferente.

Eu acredito que a sua obra, sobretudo em Fantasmas e Pouco mais de um mês, funciona muito como uma síntese de opostos. Ao mesmo tempo em que ela expressa tendências realistas mais óbvias, um desejo de representação da vida cotidiana, ela me parece também flertar, sempre, com algo que transcende esse cotidiano. Sinto nela uma atmosfera meio mágica, o que vemos parece sempre disposto a nos enganar – penso, por exemplo, no desfecho do Fantasmas, quando descobrimos que a ação inteira não passa de uma gravação, barrando as emoções do protagonista, ou na câmera escura de Pouco mais de um mês, com suas imagens invertidas, que tanto podem servir como metáfora para a intimidade do casal, quanto para algo mais obscuro e hermético… Enfim, eu sinto em suas realizações um pendor para o absurdo, um desejo, ainda que tímido, de ir além da mera realidade tangível. Talvez eu esteja superinterpretando, por gostar tanto desses temas e saber que você é fã de Murilo Rubião! Mas vendo o Quintal ontem, fiquei com vontade de dividir essas minhas impressões e saber o que você pensa delas. Essa divisão faz parte do seu pensamento? Há interesse seu em investir nesse lado mais, digamos, absurdista?

Realmente, há esse lance de uma mudança estranha dentro de cada filme. Mas, eu não sei. Essa coisa dos filmes, quando eles vêm, estão sempre todos juntos de uma idéia. No caso do Fantasmas e do Pouco mais de um mês, a idéia nasceu junto daquilo mesmo. Em estado meio bruto. Depois que eu fui pensar e organizar aquilo, dar mais corpo. O lance do Quintal, por exemplo. Ele nasce da idéia, mas o roteiro já foi todo pensado pra ser diferente. Essa questão do Realismo Fantástico é algo que me atrai muito. Mas eu não sei se eu faria de novo.

Então, o Quintal pode ser uma experiência isolada?   

É, pode ser. Não sei.

Certo. Bem, momento meio clichê, mas vamos lá: sucesso crítico, Cannes e demais festivais. Qual é a importância disso para você como realizador hoje?

Sei lá, acho que o mais importante é dar mais gás, não só pra mim, mas pra todo mundo da Filmes de Plástico, pra que continuemos fazendo, porque ainda temos muita coisa pra fazer. Alguns projetos foram aprovados e eu fico feliz pra caramba. Ainda mais com nossos filmes passando em festivais e sabendo que estão sendo vistos por mais pessoas, que algumas sessões ficam cheias, isso é muito bom.

E o que você espera da recepção em Cannes dessa vez, chegando lá com um filme tão diferente daquele que levou há dois anos? Quais são as suas expectativas?

Esse ano, eu não faço a mínima idéia! Em 2013 eu também não fazia, mas enfim. hehe Eu estou feliz principalmente porque minha mãe e meu pai vão, uma boa parte da equipe vai, acho que será uma coisa muito divertida. Mas não tenho a menor idéia do que vai acontecer. Sei que vou tentar assistir muitos filmes!

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