Por Kênia Freitas
Le Soupirant é o primeiro longa-metragem de Pierre Étaix. Já palhaço, músico, desenhista, o artista vinha da experiência de trabalhar com Jacques Tati em Meu Tio assumindo várias responsabilidades no set de filmagem – de criador de gags a assistente de diretor, tendo feito também o storyboard do filme. Logo em seguida, Étaix e Jean-Claude Carrière iniciam a sua amizade e parceria, que marcará grande parte da jornada do artista no cinema. Antes desse longa, os dois escrevem e dirigem coletivamente em 1962 os curtas: Heureux anniversaire e Rupture. De certa forma, tanto os curtas quanto Le Soupirant são laboratórios para Étaix desenvolver o seu personagem cinematográfico – que com variações nesse percurso, vai se definindo ao longo dos filmes para atingir o seu momento ápice de engenhosidade em seu segundo e mais aclamado longa-metragem, Yoyo (1965).
Assim, em Le Soupirant, o protagonista Pierre (interpretado por Étaix) é um jovem sonhador e um pouco deslocado em relação ao mundo e as pessoas. Filho único de uma família rica, Pierre causa preocupação aos seus país pelo seu isolamento e sua falta de interesse em casar-se e começar a sua própria família. Com a cabeça na lua e nas estrelas, o rapaz apaixonado por astrologia recebe um ultimato de seu pai para que finalmente vá procurar uma companheira. Visto que ele não tem a menor ideia de como abordar romanticamente (ou de qualquer outra forma) uma mulher, a partir desse plot o filme se dedica a essa caçada desajeitada desenvolvendo as mais diversas gags em cima das fracassadas tentativas do personagem.
Se por um lado, nesse filme fica evidente a influência do cinema de Tati, sobretudo no uso marcado do som sublinhando cada ação, principalmente as mais cômicas. Por outro, na economia dos diálagos e na expressividade dos gestos, Étaix presta também a sua homenagem aos grandes da comédia no cinema mudo: Buster Keaton, Harry Langdon, Laurel & Hardy.
Nesse sentido, os primeiros filmes de Étaix se situam nesse limiar entre o cinema clássico e o moderno. Do clássico burlesco, os filmes preservam o sistema sensório motor, em que cada ação desencadeia uma reação. Para o efeito da comédia, há sempre um desencontro na resposta: a reação nunca é exatamente a que se esperava, algo sempre dá ligeiramente errado. É o que acontece por exemplo quando o personagem observa a interação entre outros homens e as mulheres e tenta imitá-los em investidas que invariavelmente são mal sucedidas das mais diversas e engraçadas formas.
Mas essa a fórmula do burlesco clássico só funciona até certo ponto nos filmes de Étaix. Visto que no decorrer desses desencontros, dessa incapacidade do personagem em executar ou imitar ações simples, dessa falta de jeito, as situações e as gags se encaminham para uma destruição. Pierre está sempre quebrando algum objeto, colocando fogo em alguma coisa, levando ao limite as suas reações. É desse sistema que vai se destruindo a medida que vai dissipando sua energia inicial que está o maior trunfo de humor do cineasta – e a sua contemporaneidade com seu tempo. Pois, se de forma geral esse desencontro sempre fez parte da construção de gags e do burlesco, no cinema de Étaix esse descompasso vem de um deslocamento do personagem principal com os outros e com a sociedade moderna.
Nesse sentido, nada mais sintomático do que a fulminante paixão de Pierre por Stella, cantora vedete da moda que ele conhece pela televisão, cartazes, em performance no palco. O interesse do rapaz se desfaz imediatamente na primeira interação não mediada dele com a Stella. No final, já estamos certos do desenlace feliz do personagem com Ilka, a estudante estrangeira (que não fala francês) hospedada na casa da família. Mas até o happy ending de Pierre é ligeiramente atrasado e estranho. Ainda que, sempre encantador.