Também os Anões Começaram Pequenos (Werner Herzog, 1970)

Por Vlademir Lazo

O mundo sob o ponto de vista dos anões. Em seu segundo longa de ficção, Werner Herzog reduz seu universo a um reformatório constituído somente por pigmeus, todos com comportamento semelhantes à delinquentes, retardados ou desajustados sociais. Num ambiente com ares de colônia penal isolada, em resposta a um simples pedido negado pelo pedagogo da instituição, o grupo de internos esboça uma fuga. Enquanto um deles é pego pelo diretor-responsável, os demais iniciam uma rebelião, tomando conta do local e confinando o diretor (o próprio pedagogo) num canto do seu gabinete.

A partir de então Também os Anões Começaram Pequenos se converte na maior coleção de bizarrices e estripulias na filmografia de Herzog, num processo orgíaco de vandalismo e irresponsabilidade, um ciclo de violência contra animais ou objetos da instituição (ou de uns contra os outros), instaurando um mundo sem regras ou ordem, entre o grotesco e a crueldade, o choque e o ridículo.

Vemos os anões rebeldes numa procissão em que carregam um macaco crucificado por eles próprios. Organizam rinhas de galos para testemunharem os animais se digladiando até a morte. E degolam galinhas e as jogam pelo ar, ou arremessam-nas através dos vidros das janelas. Uma sequência se repete ao longo do filme: a caminhonete girando perpetuamente em círculos, sem que ninguém esteja em seu volante, como que a representar um mundo sem direção e controle que anda ao redor apenas de si próprio, sem recuar ou evoluir além de seus limites.

O filme inteiro se esmera em sequências de destruição, nas quais a ação descontrolada do elenco de anões causou o atropelamento real de um deles, o mesmo que se incendiaria numa das cenas com fogo, sendo salvo pelo próprio Herzog que se atirou em cima dele. Conta-se inclusive que Herzog prometeu aos anões que pularia num campo de cactos se eles conseguissem fazer o filme. Promessa cumprida pelo cineasta.

As coisas não param por ai: alguns anões cegos que mal conseguem se defender são sacaneados e vilipendiados pelos demais. Cortam as linhas telefônicas, apedrejam por todos os lados. Fazem guerra de comida e flores são regadas com gasolina e incendiadas. E escolhem entre eles próprios os dois mais frágeis e pequenos e forçam-nos a um casamento e noite de núpcias à vista de todos, quando o noivo é ridicularizado, pois muito velho, pequeno e débil não consegue subir para a cama. Tenta escalar, e subir em pilha de revistas masculinas. Até que terminam por folhear as revistas pornôs.

A câmera de Herzog também registra e incorpora ao filme momentos que não constavam no roteiro, mas ocorreram de imprevisto durante as filmagens e o cineasta não pôde deixá-los de fora: o canibalismo das galinhas, que devoram e carregam ratos em seus bicos, e perseguem uma outra de sua espécie (já sem uma das patas) até a morte. Ou os filhotinhos de porcos ainda mamando na mãe que morrera, com os anões ao redor.

As acusações de blasfêmia e de animais explorados fizeram com que Também os Anões Começaram Pequenos fosse banido em alguns paises e pouco exibido na época do seu lançamento. Rodado numa das ilhas Canária (no mesmo local onde Herzog filmaria no mesmo período alguns documentários, entre os quais Fata Morgana), numa paisagem árida que parece afastada do mundo (o que é reforçado pela textura da fotografia em preto-e-branco), faz pensar num encontro de um Zero em Comportamento (1933) trocando a poesia do filme anárquico de Jean Vigo pelas aberrações de Freaks (1932), de Tod Browning.

Embora não seja genial como o de Browning, o filme de Herzog vai além ao apresentar todos os seus personagens como diminutos, feios, esquisitos e aberrantes, alguns quase com a aparência de deformados. O universo é somente deles, e não há o contraponto para impedi-los de se destruírem a si próprios. O alemão com que vociferam suas falas, e as risadas que lançam, os tornam mais monstruosos, ao mesmo tempo em que acentua o que possuem de engraçados.

Não deve haver filme de Werner Herzog que provoque mais gargalhada (ainda que sempre com uma carga de sobressalto) do que essa comédia de humor negro do começo de sua carreira, sem que ele se reduza somente a uma piada em cima de um ponto de partida bastante bizarro. Revê-lo, entretanto, faz com que ele não resulte num impacto semelhante ao da descoberta. Sua loucura toda provoca um afastamento, ficando aquela coisa incessante que só desperta interesse de longe. Mas o espanto jamais cessa defronte de suas imagens. No desfecho, justamente o que deveria ser o mais lúcido de todos os personagens joga a pá de cal e comete as loucuras finais que coroam Também os Anões Começaram Pequenos como o trabalho mais inclassificável de Werner Herzog.

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