Pina (Wim Wenders, 2011)

Filme saudade, o novo documentário de Wim Wenders é coisa pra se tocar com reverência. Mais do que um lamento de homenagem ou o registro póstumo de uma grande figura da arte contemporânea, Pina concretiza o movimento de um cinema íntimo, de algo que parecia guardado pelo diretor há algumas décadas — o que importa ser realmente um projeto nutrido no decorrer de pelo menos vinte anos —, ultrapassando a já compreensível expectativa que possa ter se formado ao redor dele. O filme, antes de ser um retrato da mulher que o nomeia ou da equipe que, metodicamente, se presta a (re)construir todo um imaginário estético de sua líder, é retrato primeiro da elementar condição dos gestos físicos, de uma harmonização do tempo e do espaço como somente o cinema é capaz de possibilitar. Daí ser incabível tratá-lo como cinema-dança, cinema-teatro ou a partir de qualquer outra conjugação. Pina é filme que se sustenta só, estabelecido nesta rígida composição que a imagem em movimento nutre desde os mais primitivos experimentos que associaram o cinematógrafo a corpos que dançam no espaço. Composição de luz e sombra.

Se necessário fosse aproximar este filme de qualquer um legado por seu diretor, vão seria procurar referência num dos muitos documentários que ele assinou a respeito de nomes das artes (o leque de títulos é grande); pelo contrário, se há um filme de Wenders que serve de reflexo a Pina, este não pode ser outro senão O Estado das Coisas. Pois era ali que Wenders se descobria encurralado com os rumos da criação, era naquele ponto de uma carreira com altos e baixos que ele olhava para todos os lados e não encontrava o ponto pacífico da continuidade, por mais que esta se fizesse urgente. Ele lidava com a morte. E por mais que Pina exale uma tranqüilidade e coerência cabais, sobra ao fim de cada cena, de cada coreografia, uma incômoda interrogação sobre o ‘como continuar’, sobre o que esperar do tempo vindouro, especificamente dentro do que se aguarda de uma superfície fílmica.

Enfrentar a morte de Pina Bausch foi o impulso definitivo, o motivo final. Talvez por isso tenha sido preciso abandonar o palco, ou melhor, prossegui-lo numa variação de espaços públicos e naturais que também concordam com esta carência de vida. Argumentos da fragilidade. Ao fazer com que os dançarinos invadissem a cidade de Wuppertal, Wenders restituiu toda uma trajetória biográfica, abandonando o didatismo que parecia inevitável e apostando numa retórica de autonomia superior, pois quase nula. Há de se destacar uma delicada repetição que se ergue aqui: durante todo o filme, inúmeras vezes, Wenders efetua uma nada discreta suspensão do tempo para colocar em cena os quarenta dançarinos em fila, repetindo uma mesma dança, conscientes da câmera; disso se constitui a abertura e um primeiro encerramento do longa, momentos clímax, inicialmente num palco, finalmente numa planície. Do derradeiro gesto aí repetido, um decalque que nos lembra as sombras de O Sétimo Selo, na família que caminhava para a morte, e também a evocação do desfecho em Oito e Meio, pela agonia de se viver uma última dança não como alternativa, mas na dor de uma condenação. À semelhança de Fellini — e do que foi todo o cinema de Wenders nos idos dos anos 80 —, o desfecho de Pina encerra uma espécie de ofertório, de implacável sacrifício.

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