RUÍDO E SILÊNCIO – NEAR DEATH (Frederick Wiseman)

Por Bernardo Moraes Chacur

Com quase seis horas, Near Death (1985) é o documentário mais longo realizado por Frederick Wiseman. É também um dos seus filmes de foco mais restrito, quase não se afastando de uma UTI em Boston. Ao longo de sua duração, as situações se alternam, mas uma certa dinâmica se repete: a comunicação evasiva que se estabelece entre a equipe do hospital, de um lado, e pacientes e familiares, de outro. São diálogos sempre à beira do colapso, limitados pelo jargão e pela constante fuga da responsabilização jurídica, de um lado, e pela incredulidade e limitação física, de outro.

É uma barreira condicionada, em parte, pela nossa relação com a medicina moderna, de quem sempre esperamos prognósticos de salvação. Alguns dos doentes mostrados no decorrer do filme convivem há anos com uma rotina de internações e pioras, mas demonstram uma nítida dificuldade em compreender que as chances de recuperação finalmente se esgotaram.

Mas a julgar pelo que assistimos em Near Death, a responsabilidade por essa incompreensão recai principalmente sobre a linguagem médica, repleta de fórmulas retóricas e eufemismos. É uma dificuldade ressentida pela própria equipe do hospital e verbalizada em mais de uma discussão interna, um embaraço que advém do sofrimento das famílias, da desigualdade de conhecimento e das complicações que surgem na relação entre pessoas e uma instituição. A exemplo de outros trabalhos de Wiseman, vemos profissionais aparentemente bem-intencionados em situações nas quais transparecem algo de absurdo e revoltante, um elemento cuja origem e extensão escapam a qualquer explicação fácil.

Há ainda outros limites: pacientes praticamente incapazes de falar, de quem os médicos precisam extrair sinais de entendimento. Ou a imprecisão do conhecimento clínico, quando melhoras e pioras desmentem previsões que haviam sido longamente debatidas.  E, em meio a todo esse quadro, há um silêncio significativo:  o dos responsáveis pela limpeza, transporte de material e de pacientes, vários dos quais negros, movimentando-se na periferia da imagem ou observados em seus afazeres em cenas rápidas e sem diálogos, em claro contraste com a verborragia da equipe médica.

Finalmente, um outro elemento marcante é a racionalização dessa experiência extrema: vale notar a leveza – real ou dissimulada – com a qual o corpo médico encara a própria rotina. Entre esses dois elementos – a comunicação vacilante e a negação da seriedade da morte – Near Death explora como o inevitável se torna praticamente indizível.

Agradecimentos a Gabriela de Sousa Nunes e aos editores e colegas da Multiplot.

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