Mascarados (Henrique e Marcela Borela, 2020)

Por João Pedro Faro

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Uma primeira diferenciação possível entre Mascarados, nova longa de Henrique e Marcela Borela, e outros trabalhos similares do cinema latino-americano contemporâneo, é a desritualização do trabalho. Diferente de filmes como La Libertad (2001, Lisandro Alonso), não há interesse em ritualizar o gesto do trabalhador braçal. A percepção desse fator é essencial a Mascarados: para os autores, a tradição, o rito do trabalho, não exalta o trabalhador, ela apenas valida a exploração.

O tradicional trabalho das pedreiras, típico da cidade de Pirenópolis que serve de cenário ao longa, não gera nada além de exaustão ao trabalhador explorado. Mascarados é um filme curto, mas de muitas imagens, de planos breves e estáticos que ressaltam o sentimento de apatia e marasmo vivido pelos membros da pedreira. Nesse contexto, surge a festa do Divino e seus mascarados. Os trabalhadores que querem participar da festa usando máscara continuam cerceados, sofrem a imposição de um fichamento individual, fica marcado como eles se tornam uma ameaça ao poder vigente a partir do momento em que não estão mais de uniforme. Não há festa, não há cultura que comporte um espaço para quem é condenado ao ambiente subalterno. A máscara esconde o rosto que precisa sempre ser vigiado, encarado.

O som de Mascarados também potencializa o abismo entre os planos. Uma música de Milionário e José Rico começa a tocar na rádio em um enquadramento e continua no próximo, indo do espaço caseiro para o espaço da pedreira. Uma explosão interrompe a canção, com milhares de pedregulhos caindo da montanha, marcando a chegada de mais trabalho para os pedreiros. As marretadas nas pedras são a única sintonia possibilitada. Assim, a mudança de sequências, mesmo entre cortes que fazem o tempo passar, parece contaminada por um sentimento conjunto de dominação.

É do trânsito entre esses espaços, da pedreira à casa, da casa ao festejo, que começa a emergir uma atmosfera de desconstrução das estruturas tão marcadas por uma montagem tão rígida. As máscaras usadas na festa são uma liberdade temporária, falsa, encerrada de um corte para outro que já coloca os trabalhadores novamente no ambiente de exploração. A câmera, dentro da festa, circula livremente pelos pedreiros que finalmente são vistos como algo além da força usada para aumentar as riquezas de quem os explora. E isso se encerra de um plano para o outro. O trabalho é contra a cultura, e a cultura é do domínio de quem impõe o trabalho, portanto não há como perdoar cultura alguma. Ela atrasa a revolta.

A demissão encerra a mudança de espaços, e dela surge um ultimato. Não há mais escape pelo festejo, a máscara é trocada por uma espingarda e ela movimenta todo o plano final. Entre um plano e outro reside uma sensação amplificada pela sequência das imagens, de uma certeza e uma precisão para o encaminhamento final do longa. O homem, não mais o trabalhador, atinge um estado de liberdade com a arma na mão. Atravessa um cercado, em uma imagem final sísmica de fuga. O plano se alonga pela floresta, em uma correria que vai contra todo o marasmo das imagens criadas anteriormente na obra. Não há apatia possível quando se está livre do domínio, sem as máscaras, sem as tradições, sem qualquer rito que seja. Apenas um último momento de intensidade onde o sujeito se reconhece como possibilitador da própria liberdade.

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