Festival do Rio: Cobertura – Parte #2

Seguindo com a cobertura do Festival do Rio. Comentários sobre mais um bloco de filmes da programação:

Por Pedro Tavares

nois por noisSeu Rosto (Ni de Lian, Tsai Ming-Liang, 2018)

À primeira vista parece um contraponto à filmografia de Tsai Ming-Liang no que diz respeito à concepção de quadros. Mas o que interessa ao diretor, assim como Coutinho – que é muito lembrado aqui para qualquer familiarizado com a obra do documentarista brasileiro -, nas frestas dos depoimentos,  nos silêncios e feições. No close, como Dreyer em A Paixão de Joana D’Arc, Tsai Ming-Liang arremata anos de história.

nois por noisPara’í (idem, Vinicius Toro, 2018)

O êxito de Para’í é como sua abordagem documental nunca trai a linha fantástica da trama. Norteada pelas ilusões da infância, o filme de Vinicius Toro tende a afunilar os desejos da protagonista como confronto direto com o mundo além da aldeia. Na medida em que Toro sinaliza os eixos do horror que a menina encontra pela frente, continua a usar o fantástico como suporte e suspiro para o filme.

ten years thailandDez Anos Tailândia (10 Years Thailand, Apichatpong Weerasethakul, Aditya Assarat, Chulayarnnon Siriphol, Wisit Sasanatieng, 2018)

Raro caso de curtas agregados com certa regularidade. Entre o lamento dos curtas de Aditya Assarat (que abre o filme) e Apichatpong Weerasethakul, (que fecha o filme) que são lamuriosos em relação ao futuro, Wivisit Sananatieg e Chulayarnnon Siriphol fazem sci-fi em pura distopia e ganhem total destaque. Curiosamente o filme de Apichatpong é o ponto fraco do filme, completamente mecânico e mais interessado na mensagem do quadro que em transbordá-lo como geralmente faz.

ten years thailandDistorção (Alterscape, Serge Levin, 2017)

Brigar com suas possíveis naturezas é arrematar qualquer possibilidade de êxito para Serge Levin. Alterscape nega ser um filme B e tampouco aceita suas fragilidades como um drama. Nessa briga que dura boa parte do filme, quando os aceita em momentos distintos, o resultado é risível, pois o que Levin entregara até então foi um OVNI.

ten years thailandA Costureira dos Sonhos (Sir, Rohena Gera, 2018)

Como contraponto à discussão de valores da sociedade indiana, Rohena Gera adormece um romance e se importa em transborda-lo nos tópicos discutidos como cotidiano. A escolha é acertada e o filme é muito assertivo como sugestão de debate e principalmente como entretenimento familiar.

ten years thailand                Conquistar, Amar e Viver Intensamente (Sorry Angel, Christophe Honoré, 2018)

A promessa de um bom retorno de Honoré se dá em afastar os protagonistas na construção de um drama a partir de precipícios. Quando os une o filme cai numa ideia de releitura do cinema francês pós guerra inclusive com declarações imagéticas muito óbvias, assim como o caminho que o filme toma.

ten years thailandBelmonte (idem, Federico Veiroj, 2018)

Boa a ideia de imaginário e realização de um homem que vive num mundo proto-idealizado. Veiroj se concentra em costurar situações corriqueiras e as media através de vitórias e derrotas. Ainda que o exercício pareça redundante mesmo com a curta duração (75 min), o destaque fica para o terço final do filme.

rojoVermelho Sol (Rojo, Benjamin Naishtat, 2018)

Os primeiros vinte minutos do filme são impressionantes e dariam um curta e tanto. Depois o filme se apoia na montagem, na construção em blocos e no raciocínio que a elipse pode costurar todo o filme e a noção de um mundo corrompido. As influências dos thrillers americanos setentistas são boas, mas toda expectativa criada nos primeiros minutos não é correspondida.

rojoGuerra Fria (Cold War, Pawel Pawlikowski, 2018)

Pawlikoswki é um bom esteta de quadros e se esforça como narrador, claramente inspirado nas elipses de Garrel. Guerra Fria é um filme propositalmente adormecido, mais entregue à plástica como forma de um tipo de impacto que não inédito, porém pouco usado por aqueles que tentam remeter aos tempos da pureza do cinema. Ainda que uma válida aposta, o filme de Pawlikowski muitas vezes peca pela ausência de intenções mais claras.

rojoCinzas (Cenizas, Juan Sebastian Jacome, 2018)

Filme que luta para abortar seu lado teatral pela forma, utilizando por boa parte do filme closes e câmera na mão. Seria o contraponto de uma trama escrupulosamente melodramática e que tem seu palco definido – a casa, a porta da rua, etc. – para ser cinema. O resultado é bem duvidoso e a trama novelesca pouco instiga.

rojoGame Girls (idem, Alina Skrzeszewska, 2018)

Entre a observação de J.P Sniadecki e Véréna Paravel em Foreign Parts e a incisão de Khalik Allah em Field Niggas, Alina Skrzeszewska analisa o caminho da violência daqueles que possuem baixo poder de aquisição em Los Angeles. A câmera de Skrzeszewska é direta ao filmar o casal de protagonistas do filme numa narrativa de ascensão, mas é nítido como ela resvala em comentários muito maiores sobre os EUA e o racismo, intolerância e a sempre ideia de tornar esses problemas periféricos.

infiltrados na klanInfiltrado na Klan (Blackkklasman, Spike Lee, 2018)

Spike Lee geralmente é bem sucedido quando é indireto em suas mensagens a exemplo dos mais recentes Da Sweet Blood of Jesus e Red Hook Summer. Infiltrado na Klan é um filme pungente pela urgência do assunto e seu caráter acusatório. Como thriller, o filme está mais para um exercício protocolar do gênero do que uma coleção de bons momentos com arremedos de justiça.

infiltrados na klanJosé (idem, Li Cheng, 2018)

A distância que Li Cheng imprime como grandes comentários sociais se dá através do interesse em filmar o que está ao redor de seus personagens. O fundamentalismo, o preconceito e a violência, pilares que regem a vida da Guatemala aliados ao desemprego e a desesperança estão nas frestas que Li Cheng se apoia, enquanto em primeiro plano filma uma história de amor que não se sustenta pois o sistema que o envolve não o permite.

knife heartFaca no Coração (Knife + Heart, Yann Gonzalez, 2018)

Yann Gonzalez e Matías Piñeiro caminham por estradas paralelas até Faca no Coração. Gonzales aqui tenta de forma aguda o equilíbrio do humor com uma espécie de horror arthouse, um slasher no qual o sexo é o caminho do descarrego (com todos os sentidos possíveis). O filme é um OVNI que nem sempre é íntegro com sua proposta inicial, muitas vezes inclinado à figura do autor do que o próprio gênero que tenta abraçar.

tempo comumTempo Comum (idem, Susana Nobre, 2018)

Vive-se a história e conta-se a história. O interesse de Susana Nobre em esvaziar suas imagens como a certeza de um registro cotidiano dá forças descomunais a qualquer gesto. Com a ciência dessa força, Nobre dá margens justas ao filme (cerca de 64 min.) e neste pequeno-grande filme o que se tenta alcançar – muitas vezes com sucesso – é a vida.

tempo comumCarmen & Lola (idem, Arantxa Echevarria, 2018)

A balada da previsão. O filme se resume à obediência da cartilha do imaginário do filme popular – trama novelesca, a questão moral, decupagem previsível – e sempre dentro de um eixo em que o controle é sua própria armadilha. O falso desequilíbrio cênico piora esta noção principalmente por descambar para o melodrama, que neste caso vira mais uma armadilha.

tempo comumAmor até as Cinzas (Ash is the Purest White, Jia Zhang-ke, 2018)

Zhang-ke remete aos seus filmes dos anos 00 pela ideia de uma saga com comentários sociais. Aqui a jornada é pendular, entre um filme de máfia e uma história de amor, mas o que impressiona mesmo é como as articulações continuam as mesmas e sempre muito funcionais e impactantes. Zhang-ke agora se interessa pela China pós-olimpíadas e retira disso sequências muito fortes dessa representação.

meu proprio bem filmeMeu Próprio Bem (Il Bene Mio, Pippo Mezzapesa, 2018)

O filme basicamente é um exercício de simbolizar a história italiana no pós-guerra. Representar o valor da memória e a reconstrução de uma cidade fantasma contra a vontade de seu único habitante faz do filme de Mezzapesa uma prática de afetos com o espírito de rememoração. Há uma saída torpe de afetar e reafetar que remete aos filmes de Roberto Benigni, o que é  dispensável enquanto a ideia de personagens à margem da evolução se dá pela adoração e não pela praticidade.

meu proprio bem filmeAs Filhas do Fogo (Las Hijas Del Fuego, Albertina Carri, 2018)

Do conto erótico ao road movie e o pornô, o filme pouco se compadece do uso destes meandros como tentativa de um manifesto feminista que na realidade pouco discute e tampouco se afirma. O que sobra mesmo no filme de Albertina Carri são as fissuras destes meios, preenchidas com erotismo como uma suposta certeza sem muitos efeitos.

meu proprio bem filmeTorre das Donzelas (idem, Susanna Lira, 2018)

De caráter introdutório, é possível ver a preocupação de Susanna Lira em equilibrar linguagem e assunto tão díspares. Portanto, a sensação é de estranheza em ver uma espécie de programa do GNT – padronizado e extremamente envernizado – para abordar a ditadura, sempre lutando contra a inevitável presença do terror e dar leveza a um assunto oxítono.

meu proprio bem filmeAs Viúvas (Widows, Steve McQueen, 2018)

Filme que se oferece à montagem de maneira tão explícita que se resume aos encaixes de peças e propositalmente sem um norte definido afim de provar que um heist movie pode ser mais complexo. Com mais camadas, mas todas superficialmente resolvidas, o filme funciona melhor quando é agudo como um filme de ação, no qual McQueen mostra certa habilidade.

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