Por Arthur Tuoto
“O que está por vir é uma história impossível”
Film Socialisme (Jean-Luc Godard, 2010)
“As palavras pertencem àqueles que as usam apenas até que alguém as roube de volta”
Hakim Bey
O encontro fundamenta a dialética fílmica em praticamente todas as suas operações. Do confronto da câmera com o ator, do espectador com o filme, da intenção com a linguagem. Concretiza-se, nesse caminho, uma engenharia de elos – tecnicistas, intuitivos, burocráticos – onde repousa a essência utópica de uma busca. Procura-se um ideal afim de transmitir a natureza daquilo que se comenta: uma história de amor, uma conversa entre dois tempos, um paralelo entre linguagens.
O que move o encontro não é a sua condição de realização e materialidade, mas um ideal inalcançável que prioriza as particularidades da sua busca; seu fracasso inevitável é a celebração preciosa de uma jornada. O idealismo de uma paixão, a peregrinação iconoclasta, a busca pela iluminação ou, em uma mesma medida, pela destruição. Quando Godard anuncia a anti-instrumentalização da imagem – as duras e várias mortes do cinema e suas convenções – essa mesma imagem, invariavelmente, renasce por suas próprias medidas. Se Clint Eastwood e Meryl Streep passaram apenas quatro dias juntos em As Pontes de Madison (1995), a extensão universal daquele encontro adquire uma potencialidade dramática de entornos eternos.
O cinema não vai morrer e Clint Eastwood e Meryl Streep não vão ficar juntos. A consequência dessas digressões são maiores que o seu fim. O encontro viabiliza o retorno por meio de uma excursão cíclica sobre seus temas. O que interessa, aqui, é uma deambulação obstinada em busca do remoto, de um oceano profundo, de uma galáxia desconhecida que não nos mostre como as coisas terminam (afinal, elas nunca terminam), mas nos aponte a dimensão do inexplorado.
O encontro não é movido pelo pragmatismo, pela assimilação daquilo que é útil, mas pela abertura ao inabitual. A paixão, o oculto, o intransitável. Articula-se não um método, mas uma política do sonho. Imediata e ardente, sua proeza não é a ordem, mas um desejo original. O encontro não é proposto a partir de delineamentos corriqueiros, mas redefine o incidente como uma poética necessária. O acaso não é somente dispositivo primário de uma união, mas o evento de uma tensão destrutiva. O encontro edifica e aniquila em uma mesma medida. A fé que materializa uma vontade, que media um elemento de divinização, é da mesma ordem do incontrolável desejo de extermínio, de extinção pelo outro. O encontro com a vida se dimensiona pelas mesmas forças do encontro com a morte.
Ressiginificar é reencontrar. Tensionar um material já existente é continuar a sua busca, prolongar a sua investigação e, consequentemente, alimentar sua essência utópica. O resultado atinge não uma forma definidora, mas performática, herdeira de uma ideia a ser reiterada ou questionada. O encontro ratifica ou nega, restaura ou enterra. A integração entre a herança e o novo escolhe a preservação ou o abandono. Filia-se, rejeita-se ou simplesmente expõe-se a partir de um novo lugar. Apropriar é performar um outro.
O encontro reposiciona, desequilibra, reconduz a harmonia através de um ânsia pelo oposto. Descontínuo, dualista, contrário, a conciliação não acontece de maneira instrucional, mas é movida pelo fluxo dos fenômenos. Uma órbita particular que, ora inesperada, ora previsível, conduz uma natureza narrativa que é dependente dessa inconciliação. O contar não é um relato, mas um oráculo de possibilidades variadas onde o final é apenas um detalhe, mal necessário que ensaia um prólogo para o eterno.
Se o que vemos na tela é um último beijo, uma trapalhada final, um fracasso irremissível ou a morte, simplesmente, a conclusão não significa um êxito. O sucesso do encontro independe da formalidade do seu meio. O que um filme procura, outros procuraram e mais um tanto procurarão. O propósito, ao mesmo tempo que se vale dele mesmo, é parte de um macrocosmo de intenções realizadas e não realizadas. O encontro promete e descumpre, apresenta e esconde, executa e ilude, sua irrealização é a nossa experiência em si, sua mentira, nossa verdade mais sagrada.