Os Oito Odiados (Quentin Tarantino, 2015)

Por Arthur Tuoto

É inegável que os últimos filmes de Quentin Tarantino retratam muito bem uma contextualização política e racial das mais interessantes e provocativas. O deslocamento caricato de uma circunstância em prol da bruta evidência da opressão, uma abordagem pulp problematizadora que sabe muito bem reconhecer alguns signos históricos em toda a sua proposta alegórica. Uma aproximação que, em seus dois últimos longas, parece ter encontrado um equilíbrio muito bem dosado entre elemento político histórico e dinâmica gráfica de cena.

Talvez o grande problema de The Hateful Eight não seja exatamente reconhecer essa abordagem como uma medida de praxe, mas justamente se fechar nela como um modelo, ou talvez até como uma espécie de fórmula limitadora. Já que, em sua pura essência dramática, The Hateful Eight é um filme que não está tão interessado em se renovar ao longo dos minutos, pelo menos não da mesma maneira que Django Unchained e Inglourious Basterds estavam.

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Depois do primeiro ato, quando Tarantino de fato cria um subtexto instigante e lança mão dessa contextualização muito bem situada (a viagem com os personagens de Kurt Russell, Samuel L. Jackson e Jennifer Jason Leigh ainda é a melhor coisa do filme), The Hateful Eight entra em um estado que beira o acomodado. Quando o filme se fecha no ambiente do saloon, com a apresentação de novos personagens e suas mil insinuações na construção de cada um deles, ele logo parece um pouco refém desse desfile de brutalidades que aqui soa muito mais submisso a um certo modelo de frases de efeito e elementos gráficos jocosos, do que exatamente dono de um elemento dinamizador próprio.  É um pouco como se o filme, ao se ver diante de um certo esvaziamento dramático do seu autor, consequentemente se transformasse em uma caricatura dele mesmo, desse modelo cheio de anseios por construções mitológicas mas que, agora, está relativamente longe de concretizar tudo o que pretende. É óbvio que o plot à Agatha Christie rende ótimos momentos, tanto de tensão dramática como de atmosfera política reveladora pós guerra da secessão, especialmente em suas desconfianças implícitas, mas tudo soa muito mais como um exercício derivativo do que uma obra de potência própria.

A personagem de Jennifer Jason Leigh talvez seja a evidência mais concreta desse fracasso, já que toda a jornada de Daisy, no lugar de um propósito dramático mais específico ou simbólico, acaba caindo em um movimento simplesmente sádico. Toda a reiteração da tortura aqui soa muito mais como um esporte, um exercício à Funny Games e Paixão de Cristo, do que exatamente uma situação de denúncia ou de proposta narrativa independente. É quase como se o único propósito da personagem fosse esse de ser socada constantemente em um misto de prazer sádico e elemento cômico agregador, já que a risada da audiência na sala de cinema parece sempre inevitável nesses momentos. Pode-se até argumentar que existe uma conotação de denúncia ou contextualização histórica impiedosa nesse processo todo, mas o filme parece que está muito mais interessado em vibrar com essa vocação da personagem para saco de pancadas, do que exatamente em situar uma marginalização simbólica.

Existe, portanto, em The Hateful Eight, uma clara despolitização gráfica do cinema de Tarantino, uma despolitização em que a violência entra mais como um desserviço onde a plateia vibra muito mais com os socos na cara de uma personagem, e nunca se redime dessa glorificação coletiva, do que com um elemento de contemplação de propósito e força, como havia em seus últimos filmes. O que era catarse, agora é um entusiasmo cínico; o que era político, se perdeu em um banho de sangue presunçoso.

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