Meia-noite em Paris (Woody Allen, 2011)

Clichê. Uma das palavras chaves para entender a relação entre a narrativa e as imagens na cinematografia de Woody Allen é justamente o clichê. Ao mesmo tempo, uma repetição nos elementos imagéticos (dos caracteres dos créditos iniciais sempre na mesma fonte ao jazz como trilha sonora) e nas temáticas obsedantes (o nova-iorquino judeu e neurótico, por exemplo) — pequenas variações a partir de uma matriz de mise en scène. Não que ao longo de sua vasta obra as potencialidades desse clichê não tenham sido exploradas de maneiras totalmente diversas.

Há o clichê da narrativa clássica de cinema, como em A Rosa Púrpura do Cairo ou em A Era do Rádio — que nos filmes mais recentes tornou-se uma espécie de paródia de cinema de gênero, como a comédia de detetive em Scoop ou do grande drama em Match Point. Em outros filmes, o clichê aparece no sentido narrativo mais óbvio do cinema: a comédia romântica, boy meets girl, que já resultou em um dos seus filmes mais geniais, Annie Hall. E, até mesmo, tentativas assumidas de copiar o cinema de Bergman, no clichê homenagem de Interiores. Para ficarmos em alguns exemplos.

Nessa fase mais recente, percebemos também a estereotipização crônica dos personagens. Embora, de certa forma, esse traço estivesse presente desde sempre na sua obra — vide seu personagem padrão nova-iorquino, judeu e neurótico, interpretado constantemente pelo próprio diretor. Mas, depois de abandonar Manhattan, os estereótipos passaram a ser uma espécie de tipo nacional: os espanhóis passionais ao extremo da loucura (Vicky Cristina Barcelona), os ingleses calculistas e aristocráticos (Match Point, Scoop), as francesas sedutoras (Meia-noite em Paris) e o americano médio, chato e pouco preparado para a vida (em todos esses filmes de co-produção européia de Allen…). O próprio tratamento das cidades, Londres, Barcelona e Paris, não foge muito dessa caricatura: Allen filma os pontos turísticos, os locais já consagradas pelo imaginário coletivo. A câmera do diretor assume o ponto de vista justamente do americano médio, que nem ao menos tenta esconder uma fascinação de turista mesclada ao preconceito de quem não pretende sair de sua zona de conforto.

E, diante desse diagnóstico de clichês e estereótipos, chegamos ao mais recente filme do diretor. Em Meia-noite em Paris, temos todo o pacote: os americanos ricos e turistas consumistas insuportavelmente fúteis, o professor pedante e exibicionista, o protagonista neurótico, as francesas sedutoras. Mas fazendo uma nova dobra no seu próprio procedimento, Allen ressuscita toda uma gama de artistas, escritores, pintores, críticos, que viveram em Paris em diferentes períodos históricos.

Assim, Gil Pender, um roteirista de Hollywood que sonha em ser escritor, está junto com a noiva e os sogros passando uma pequena temporada na cidade. Ao contrário da futura mulher e de seus pais, que estão na cidade a trabalho, para fazer compras e consumir cultura para turistas prêt-à-porter, Gil é verdadeiramente apaixonado pela cidade — ou pela ilusão da cidade. Ilusão que à meia noite se transforma em cinema: quando o personagem é magicamente transportado para a Paris de 1920, com todos os seus escritores, pintores, cantores e cineastas.

Não interessa a Allen explicar essa passagem: acontece porque no cinema é possível. Embora, nem por isso, o diretor não deixe de fazer várias piadas auto-irônicas com as explicações psicológicas (negação do presente, idealismo com o passado, dificuldade em enfrentar a realidade — todas críticas já feitas ao cinema de Allen e a sua personalidade). Mas não interessa o porquê, tratando-se de um clichê, não há profundidade; apenas superfície.

A relação com o passado idealizado não é de mergulho, mas de deslizamento. Paris em 1920 com seus loucos escritores ou nos salões da Belle Époque continua como uma miragem, uma ilusão — apenas imagens. Não há sentido oculto a ser descoberto, as piadas são imediatas, instantâneas. Os personagens históricos são caricaturas toscas de si. Menos porque Allen não seja capaz de criar personagens complexos, mas justamente porque é a imagem rasa que serve a sua narrativa.

Assim, a narrativa flui sem se importar com a verossimilhança. Tudo se encaixa, está conectado e acontece para que a história ande: ação e reação. Gil está imediatamente nas festas, nos bares, nas casas certas. Todos os artistas se conhecem e se encontram com facilidade. O diário de Adriana (sua amante dos anos 1920) aparece magicamente na sua frente, escrevendo a história que ao mesmo tempo ainda não aconteceu e já é passado. Não há limites para o que pode o cinema e por isso não há preocupação com esses detalhes — há mesmo uma busca incessante por essas facilidades, pelo truque de roteiro mais óbvio.

Se, por fim, Gil decide enfrentar a realidade do seu presente, admitindo que a idade do ouro é sempre recuada, não se trata exatamente de uma moral da história. Embora haja magia e nostalgia, não é a fábula que movimenta o cinema de Woody Allen. É o próprio cinema. A sua potencialidade de mesmo na repetição, no clichê, no caricato, recombinar seus elementos próprios e criar algo novo, diferente, pulsante — ainda que um pouco pessimista ou cínico, em alguns momentos. Por esse mesmo motivo, anualmente, voltamos ao cinema de Allen.

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