Deuses da Peste (Gabriela Luíza e Tiago Mata Machado, 2025)

Teatro da tirania

Por João Paulo Campos

Deuses da peste aborda o universo do bolsonarismo desde um encontro assustador entre cinema e teatro. Se a extrema direita radicaliza a teatralização da política, o longa de Gabriela Luiza e Tiago Mata Machado efetua uma politização do teatro e cinema. Uma tentativa de vingança pela arte é encenada no filme da dupla, oferecendo uma imagem sombria do Brasil atual.

A obra foi realizada sem financiamento público e mostra uma trupe de atores performando num casarão que, em cena, se torna um castelo dividido em instâncias ou palcos. O espaço do filme é transformado um microcosmo alegórico que procura ensaiar uma posição estética diante da ressurgência do nazi-fascismo no Brasil e no mundo. A alegoria nacional encontra o terror da fúria de direita que tem virado o mundo de cabeça pra baixo nos últimos anos. 

Cada parte do filme, dividido em atos, cita uma referência diferente da história do teatro, desde Shakespeare até Artaud, passando por Brecht, Aimé Césaire e outros no caminho. Encontramos Paulo Goya como um tirano em decadência e Renan Rovida de bufão bolsonarista, pequeno diabrete-agitador cuja coreografia se junta ao coro da desgraça, formado por atrizes e atores de São Paulo, como Carolina Castanho e Sofia Botelho. Helena Ignez faz a bruxa que fustiga o teatro da tirania encenado no filme. 

Numa Mostra de Tiradentes marcada por filmes que colocaram em cena a tristeza, o luto e o sucídio, Deuses da Peste surge como um longa  que, apesar de ser dark, também é politicamente propositivo. Isso por tentar entender o universo da extrema direita na prática do cinema em convergência com o teatro. 

A participação de Eduardo Fukushima é digna de nota. Além de ter preparado o elenco, o coreógrafo realizou duas performances no filme. Quando o dançarino aparece tudo se desvela. A cena em que Fukushima surge de vestes pretas na frente de uma mureta à noite nos revela a origem da cinética que estrutura o trabalho dos atores e atrizes empesteados. A dança coloca um corpo doente em cena, num registro expressivo que elabora uma imagem da decadência contemporânea.

O filme mostra uma dança da destruição e uma cinética quebra-ossos. Corpos doentes vagam e se contorcem nos espaços que a obra apresenta, fazendo caminhos entre o terror do agora. Partindo da mímesis da extrema-direita, Luíza e Machado desenvolveram um cinema da crueldade do Brasil atual. E a peste ainda está entre nós, o que convida a arte a tirar a desgraça para dançar. 

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