A SUBSTÂNCIA (Coralie Fargeat, 2024)

Entre o liso e o rugoso

Por Gabriel Moraes

É difícil falar sobre A Substância, dirigido por Coralie Fargeat, sem antes tocar brevemente nos aspectos mais marcantes de sua recepção, posto que aqui temos um dos casos recentes mais notórios do que se convencionou chamar – a partir de um conjunto de reações em demasiado divisivas, efusivas e potencialmente polêmicas – de “ame ou odeie”. Embora possa soar banal, não é um termo sem sentido palpável. Quando se produz um perfil de recepção como este, geralmente tratam-se de projetos que, bem ou mal, levam suas ideias e práticas estéticas às últimas consequências de maneiras radicais, que operam em níveis extremos de uma determinada sensibilidade. A Substância é um destes filmes. Mas qual ou quais experiências se fazem possíveis a partir desta relação particular com o material?

Em primeiro lugar, este é um filme de estilo mais do que de trama, que trabalha com códigos de gêneros e subgêneros do cinema – o horror, o suspense, o body horror, a caricatura – para armar uma diegese fundamentada na investigação dos modos através dos quais estes instrumentos cinematográficos podem dobrar uma realidade ao seu favor. Falar de uma radicalidade de processos em A Substância é pensar a extremação das possibilidades de construção estética e ficcional destes elementos. Ao lidar com o tema de como os corpos femininos estão sistematicamente sujeitos a duros padrões de beleza, o filme adentra a subjetividade de uma protagonista que internaliza e representa as medidas de violência e terror psicológico subjacentes à consciência de viver como mulher em um mundo que existe nestes termos.

A Substância é um filme sem exterioridades, sem traços de uma “realidade objetiva” que exceda os limites de percepção da protagonista. Tudo o que há em tela é uma expressão de como ela percebe as coisas ao seu redor, de como reconfigura a matéria do mundo a partir de suas sensações e impressões. Neste quesito em específico, para citar alguns paralelos famosos ou canônicos, é algo como Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, Clube da Luta (1999), de David Fincher, Laranja Mecânica (1971), de Stanley Kubrick, os filmes de David Lynch, entre tantos outros exemplos. É importante notar a intimidade dos seus procedimentos com uma genealogia das formas, porque a diretora a todo momento cria planos e situações que falam de e com uma história das imagens, e especialmente com os imaginários que esta história lega.

O conflito de Elisabeth, interpretada por Demi Moore, com o seu corpo é também, afinal, um dilema diante das imagens que este corpo produz, e como um corpo que respira a partir dos imaginários que suscita pode viver sem eles, vide os registros recorrentes do longo corredor kubrickiano nos estúdios de filmagem: primeiro com os retratos enormes de Elisabeth, depois vazio e por último com os retratos de Sue. E é evidente como tudo isto está conectado à figura e trajetória de Demi Moore como celebridade. O filme é um grande cabo de força entre a duplicidade das imagens, entre as superfícies que elas proporcionam e as matérias que existem por trás delas: tanto as vidas, as experiências sensíveis, os corpos e texturas, quanto as ideologias.

Para além do personagem cartunesco do produtor, intitulado Harvey – uma opção pouco sutil – e interpretado por Dennis Quaid, são numerosos os planos que focam nos olhos das câmeras que gravam aqueles espetáculos, mostrando como tudo é fruto de um olhar informado por alguma visão de mundo, por alguma ideologia, por alguma sensibilidade. Outro exemplo mais explícito é a cena em que o diretor detecta algo estranho na gravação, para a filmagem e todos observam atentamente a reprodução quadro a quadro de um plano-detalhe das nádegas de Sue, novamente frisando como não há imagem que saia dali que não seja parte de uma engenharia política, de uma intencionalidade que tem demandas claras para que as coisas sejam de um modo e não de outro, como estes imaginários que circulam fluidamente pela vida contemporânea das cidades nada tem de espontâneos ou naturais, mas estão sempre a cumprir alguma agenda de interesses. E ainda: sobre como a natureza destas imagens é ser invasiva, porque estão sempre a ditar modos de ser, modos de visibilidade. Cenas como estas parecem o esforço mais denotativo da diretora de comentar sobre logísticas e implicações imediatas do male gaze.

E aí poderíamos tratar de um subtema, correlato destes guarda-chuvas, que é crucial em A Substância: o atrito entre o liso e o rugoso. Tanto a ideia literal de superfície quanto a ideia mais abstrata e política do que é superficial são o nervo central do aparelho estético do filme – e iluminarão o subtema mencionado –, seja nos planos ou na sonoplastia. As cenas em que o produtor urina ou come uma refeição, por exemplo, não só reverberam nitidamente o conteúdo em forma, mas caracterizam a impressão que Elisabeth tem de Harvey como um sujeito asqueroso, mal intencionado e repugnante, que é traduzida em uma emanação vigorosa das superfícies da existência física de Harvey: os sons exagerados de sua comilança, o som que faz ao urinar, seu rosto sujo e lambuzado ao comer, sua pele rugosa e envelhecida, o barulho insistente dos seus sapatos como sinônimo do teor irritante de sua presença.

A imagem de Harvey como uma pessoa percebida por Elisabeth atua como uma espécie de díptico contrastante com as imagens lisas, cristalinas e idealizadas que ele pretende gerar e veicular. São vários os momentos em que, além disso, a diretora faz planos-detalhe da pele das protagonistas, sublinhando o quanto elas se percebem por meio de uma relação obssessiva com a própria fisicalidade, por meio de uma relação literal de superfície. A cisão entre vida e imagem estaria, logo, bem ali na transformação do rugoso em liso, do sujo em limpo ou, em outras palavras, do contraditório e vivido no idealizado e construído. As cenas supracitadas que expõem os mecanismos de produção de discurso através de imagens são como pontes entre as extremidades do filme: de um lado, aquilo que pode ser orquestrado, feito e refeito, que é fruto de um sistema criativo minucioso, e de outro, aquilo que é ininterrupto, que não pode ser refeito ou controlado, apenas, no limite, performado. Mas até que ponto? A Substância é também sobre os limites da performance, sobre como a mutação da corporeidade em imagem está ligada a um anseio pela superação dos limites do que não se pode performar, a uma ambição de converter a volatilidade do corpo e do desejo em objetos e significados administráveis, e aí a pergunta óbvia seria: por quem e para quê?

A tentativa de Elisabeth de querer que seu corpo opere nos mesmos termos das imagens que são feitas sobre ele é o que leva à tragédia, mas também à libertação. O desejo de perfeição perene materializado no seu inverso: em monstruosidadade, em escatologia. A figura escatológica na qual a protagonista se transforma é a indexadora do que o filme compreende como verdadeiramente monstruoso: o condicionamento do corpo e do desejo a um estatuto objetificado de significados estáveis. Por isso, a monstruosidade que toma a protagonista é também uma libertação. O esforço de fazer da corporeidade algo gerenciável acaba por radicalizar seus atributos voláteis. O corpo como um movimento implacável de descontrole, uma fisicalidade de sujeira, pulsão e fluidos que atinge um ponto fundamental de contradição: colocar em imagem o que é não-imagem, arquitetar o artifício para chegar ao que não é artificial, ou, visto por outra chave, valer-se dos limites da performance para pensar os limites da imagem; como fazer da imagem uma forma de corporeidade embrenhada em sujeira, rugosidade, instabilidade.

Retomando um argumento anterior, há, ainda, a ideia mais abstrata e política do superficial, que é muito articulada visualmente nos planos internos do apartamento de Elisabeth que situam, ao fundo, visto pela janela, o imenso outdoor que ocupa uma boa parte da vista. É quase como se fosse uma sobreposição de realidades, uma efetivamente operando sobre a outra, ou vampirizando a outra. Inclusive, é curioso como o que leva Elisabeth a se acidentar é a distração ao observar seu rosto sendo arrancado de um outdoor, um certo fator desestabilizador de ver o que parece tão estático e estabelecido se tornar outra coisa. Quando a imagem de Sue é colocada no outdoor que ocupa a vista do apartamento, há duas atividades de consumo. A primeira é mais imediata, no choque direto entre uma e outra: Elisabeth vira uma consumidora das imagens que até então era produtora, passa a idealizar aquilo que ela fazia ser idealizado, torna-se refém do imaginário que ajudou a construir, uma testemunha do maquinário político do qual era uma engrenagem.

E a segunda é mais intimamente ligada à passagem do tempo, a como estes dois planos de realidade sofrem diferentemente esta ação, como são ou deixam de ser consumidos pelo tempo. Enquanto o apartamento é palco para um aprofundamento progressivo do drama, para o desenrolar de uma série de conflitos de alta intensidade, o outdoor permanece intocado, aparentemente imune ao tempo. A diretora enfatiza ainda mais esta escolha ao opor a transição do apartamento entre dois ambientes bem distintos, um solar e esperançoso – habitado por Sue – e outro noturno e amargurado – habitado por Elisabeth –, com a transição entre dia e noite para o outdoor, cuja única diferença é se será iluminado pela luz do sol ou por luzes artificiais, como se aquela imagem surfasse de maneira sutil e elegante pelos mesmos dias que infernizam crescente e alarmantemente a vida no apartamento.

Dito tudo isso, e tendo estabelecido algumas das preocupações e dos recursos centrais para a composição do universo hiperestilizado de A Substância, resta apenas uma interrogação a respeito das problemáticas que se abrem na costura que o filme faz de suas ideias e de sua diegese. Apesar de povoado por boas premissas, a experiência de assistir ao filme propriamente pode ser tortuosa e é capaz de testar mesmo o mais paciente dos espectadores. Um dos obstáculos mais arraigados de A Substância, e que perdura dos primeiros aos últimos minutos, é o excesso de didatismo, um tratamento das ideias e das imagens que poderia mesmo ser chamado de pedagógico, de ilustrativo. Certamente, os exemplos que flertam com o inacreditável são vastos, como as montagens paralelas entre o talk show e a cena da cozinha e entre o espetáculo final e os comentários pejorativos do início – sequências que ainda contam com diálogos como “eu preciso de você porque eu me odeio” –, a cena de encontro com o outro usuário da substância que explica com todas as letras os conflitos do filme sem agregar nada além de exposição. O personagem some sem abrir nenhuma porta ou gerar qualquer implicação para a narrativa.

Enfim, a lista completa seria de proporções bíblicas, mas é espantoso perceber como mesmo momentos mais passageiros como o encontro entre Elisabeth e um antigo conhecido dos tempos de escola, que sugere uma outra possibilidade de vida e de relação com o corpo, com a beleza, também precisam ser pontuados por gestos de mão pesada como o papel com número de telefone anotado que cai em uma poça suja no chão. É uma experiência sufocante de hiperssaturação de significados em que cada plano, cada cena, cada escolha, cada elemento no quadro precisa reafirmar e reiterar os discursos inúmeras vezes. O filme tem conquistado um certo status desde a sua recepção em Cannes e vem ganhando um espaço na cinefilia brasileira, o que é difícil de acompanhar sem um senso de curiosidade, já que uma parte significativa dos procedimentos estéticos e discursivos mais importantes para a obra lembram bastante os piores – e bem rejeitados pela cinefilia brasileira – cacoetes de diretores como Darren Arronofsky, Nicolas Winding Refn e Christopher Nolan.

A questão aqui não é uma crítica essencialista de procedimentos mais ilustrativos, carregados, mas como isto se ramifica para uma rede específica de resultados duvidosos no caso de A Substância. A começar por como esta saturação de significados cria uma instrumentalização de tudo ao seu redor em tal nível que encontrar que um ponto de acesso que não seja aquele da mensagem, do texto, do conto moral, demanda um gesto hercúleo de generosidade. E aqui se torna especialmente contraditório, pois é um filme que lida com visualidades viscerais, mas que em última instância estão domesticadas e asfixiadas pelas leituras que o próprio filme já imprimiu sobre elas. Tudo é informação mais do que experiência.

Em resposta ao texto O efeito de real, de Roland Barthes, no qual ele desenvolve seu conceito de “pormenor inútil”, Jacques Rancière, em seu livro O efeito de realidade e a política da ficção escreve: “o detalhe inútil diz: eu sou o real, o real que é inútil, desprovido de sentido, o real que prova sua realidade por sua própria inutilidade e carência de sentido”. Para complementar este argumento, em seu livro Theory of Film, Siegfried Kracauer apresenta uma leitura análoga que poderíamos utilizar para melhor elaborar a perspectiva de Rancière. Ele diz: “Em sua preocupação com o pequeno, o cinema é comparável à ciência. Assim como a ciência, ele desmembra fenômenos materiais em partículas minúsculas, sensibilizando-nos para as enormes energias acumuladas nas configurações microscópicas da matéria”.

Apesar de ambos os autores estarem tratando mais amplamente de certas concepções de realismo em seus textos, é evidente que o objetivo aqui não é revivê-las ou esperar do filme um cumprimento delas e sim entender o que estas observações em particular, que foram recortadas, esboçam em termos do mapeamento de uma postura sensível diante do registro das coisas. O que estou defendendo é que, no modelo de cinema representado por filmes como A Substância,a noção seja do “pormenor inútil”, do “detalhe inútil” ou do “microscópico” é inexistente pelo simples motivo de que a consciência de que o “microscópico” ou o “pormenor” é só mais uma pincelada dentro do “macroscópico” é algo tão severamente enfatizado que é uma dura tarefa relacionar-se com os elementos estéticos para além da percepção sobre o papel que desempenham nos grandes movimentos conceituais do filme. O “microscópico” é um instrumento imediato de significação do “macroscópico”, de tal modo que, ao invés de propor uma experiência refratária com incontáveis pontos de acesso e engajamento, o filme torna-se o resultado de uma equação que é a soma de suas partes. A relação de autonomia entre o “microscópico” e o “macroscópico” é de uma importância inestimável para o cinema. Vale frisar: é um problema de sensibilidade e não de método. O fato, por exemplo, de que um diretor é um esteta obssessivo de maneira alguma é evidência direta de reprodução da mesma defasagem.

A narrativa de A Substância como um todo é a expressão de um solipsismo radical bastante questionável. A diferença de A Substância para um Taxi Driver nos méritos exclusivos de seus solipsismos é que, no caso de Scorsese, a introspecção que caracteriza o ponto de vista do filme, que pretende ser a um só tempo estudo de personagem e diagnóstico político de uma América psiquicamente fraturada pelos lastros da Guerra do Vietnã, é toda apoiada em referenciais que desenham os traços de personalidade e percepção do protagonista ao mesmo tempo que localizam essa outra América da qual ele não faz parte e é alienado – encarnada principalmente na personagem politizada de Cybill Shepherd, que tem um tipo de agenciamento sobre um mesmo estado das coisas totalmente distinto em relação ao do protagonista, interpretado por Robert De Niro. O protagonista chega à convicção de suas crenças através do desenvolvimento sequencial de muitas divergências com outras visões de mundo, algumas próximas e outras distantes das suas.

Em A Substância, por outro lado, não há nenhum personagem além da protagonista e seu duplo durante todo o filme. A diegese opera toda na mesma frequência, não há contraste algum de agenciamentos sobre a mesma realidade. Um personagem que poderia oferecer tal abertura é o colega dos tempos de escola de Elisabeth, mas ele é prontamente descartado. O filme poderia, ainda, rebater a perspectiva de Elisabeth com a de outra mulher, ou outras mulheres, o que também não acontece. Parece que existe uma única forma de responder à paisagem simbólica desta cultura, o que torna tudo moralista e dogmático, linear e, inclusive, achata as dimensões da protagonista.

É meio surreal pensar como um filme solipsista de mais de duas horas, que não se interessa por nada e nem ninguém além de sua protagonista pode concluir sem que tenhamos ciência de qualquer traço de personalidade desta personagem, de sua visão de mundo, que não saibamos absolutamente nada sobre ela para além de como se relaciona com estes padrões de beleza, e mais ainda, que ela tenha apenas uma resposta, um único agenciamento para estas imposições culturais o filme inteiro. Não podemos esquecer que quando a protagonista decide terminar seu processo de “tratamento” com a substância, não é porque passou a ver as coisas de outro modo ou passou por uma transformação dramática, mas única e exclusivamente porque percebe que o tiro saiu pela culatra. Se ali ela ligasse para empresa e eles dissessem que tem uma nova substância que resolverá os dilemas anteriores e não deve oferecer novos obstáculos, ela certamente aceitaria. O que dá a entender é que realmente não há nenhuma outra maneira de lidar com esta paisagem simbólica.

Não fosse suficiente, o filme ainda cai em um buraco de filosofia liberal que espera imprimir as dores do mundo em um exercício drástico de metonímia individualista. Em seu livro A Tecnologia do Gênero, Teresa de Lauretis traz reflexões que podem nos auxiliar nesta linha de pensamento. Ela escreve: “A discrepância, a tensão e a constante oscilação entre a Mulher como representação, como objeto e a própria condição de representação, e, por outro lado, as mulheres como seres históricos, sujeitos de ‘relações reais’, são motivadas e sustentadas por uma contradição lógica em nossa cultura que é irreconciliável: as mulheres estão tanto dentro quanto fora do gênero, simultaneamente dentro e fora da representação. O fato de que as mulheres continuam a se tornar a Mulher, continuam presas ao gênero como o sujeito de Althusser está na ideologia, e que persistimos nessa relação imaginária mesmo sabendo, como feministas, que não somos isso, mas que somos sujeitos históricos regidos por relações sociais reais, que incluem centralmente o gênero – essa é a contradição sobre a qual a teoria feminista deve se fundamentar, e a própria condição de sua possibilidade”.

A protagonista não seria a perfeita representação da Mulher? De uma coletividade sintetizada em uma individualidade que deve carregar em si os significados do grupo? Soa como uma contradição extrema das ideias do filme, que lida justamente com a noção de resistência aos exercícios de objetificação dos significados dos corpos. Esta Mulher, que representa as relações das mulheres com esta imposição cultural, não está refazendo exatamente este procedimento? Não está objetificando estas formas reais de experiências variadas em uma única concepção estável e linear? Por que não há nenhum outro agenciamento sobre esta realidade?

Poderiam me acusar de estar aqui cobrando uma cartilha moral do filme, como se meu ponto fosse que a protagonista devesse necessariamente ter um esclarecimento sobre as circunstâncias do seu sofrimento ou tivesse respostas lúcidas para resolvê-lo. É claro que não. A arte não tem nenhum compromisso em ser educativa ou edificante, em ser esclarecedora de qualquer coisa. Trata-se apenas de coerência interna. Se o filme fosse puramente um experimento radical de subjetividade e nada mais, seria outra história, mas o que está colocado é claramente um problema de ordem social e cultural, e não apenas pessoal. A resposta desta mulher para este regime simbólico pode ser pessoal, mas as operações que o organizam e às quais ela está sujeita não são. E que a protagonista não passe por transformações dramáticas também não é em si a questão, mas sim este fato aliado à ausência absoluta de outros agenciamentos. A partir do momento em que o agenciamento dela é um entre tantos, ele é pessoal, porém quando ele é o único diante de uma conjuntura que é coletiva, ele torna-se metafórico e metonímico. E se este é o caso, qual o sentido de um filme que meramente se contenta em passar mais de duas horas chovendo no molhado, reafirmando indefinidamente as exatas mesmas condições e circunstâncias das quais partiu em primeiro lugar e sem propor nenhuma experiência estética minimamente desafiadora?

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