por João Paulo Campos
O universo imaginativo de “Os animais mais fofos e engraçados do mundo” (Renato Sircilli, 2023) é o baixio das bestas. Estamos num motel barato, espaço em que o protagonista trabalha como camareiro. O mote do curta é interessante: um trabalhador, já idoso e malandro, tem um negócio paralelo que mescla empreendedorismo, loucura e fetiche. É um filme de protocolos rituais num campo limítrofe entre o prazer e o trabalho que, na história elaborada por Sircilli, se imiscuem.
O negócio clandestino é o seguinte: o empregado registra sons das transas que escuta pelos corredores e quartos desocupados do motel em que trabalha. Ele vende os áudios para um senhor, com um extra. Numa cena de sexo fetichista, o camareiro do motel descreve as cenas dos áudios enquanto masturba seu cliente. Em seguida: sexo. O problema é que existe outro protocolo envolvido em “Os animais…”, que diz respeito a padrões de comunicabilidade e agradabilidade que têm contaminado o campo do cinema contemporâneo. É um problema de atitude.
O que acabamos por estranhar nesta fita é sua falta de imaginação diante deste mundo tão maluco. O realizador não conseguiu expressar em termos espaço-temporais o barato que seu argumento nos prometeu.
Em outras palavras, a mise en scène e a montagem linear planificam o que parecia ser um universo caótico e mais interessante do ponto de vista estilístico. É um filme que força a barra na estilização, mas lhe falta estilo. Esse sintoma atravessa as cenas do curta, desde a espacialização do motel até a cena de sexo entre os dois personagens.
Enxergamos o interior do motel, mas não o sentimos. Sua figuração se dá a partir de uma série de planos fixos em ângulos que clarificam de maneira frontal o espaço. A cena da ronda no corredor, por exemplo, nos mostra o protagonista andando com o carrinho de limpeza em direção à câmera. Apesar do movimento do personagem, a cena não se mexe – e isso tem a ver com as variações cromáticas da cena, em particular, e a fatura do curta, no fim das contas. Os ambientes são coloridos com o mesmo tom sépia que puxa uma frieza impessoal típica de certo cinema paulistano – que, obviamente, tem seus exemplos fortes. O controle dos gestos e expressões faz das presenças em cena algo protocolar e bem comportado que parece fora do lugar num espaço marcado por arroubos, segredos e farras.
Fetiche e mistério não encontram ferramentas cinematográficas capazes de os expressarem em “Os animais…”. Diante de um universo nebuloso, Sircilli optou pela clareza classicista. É como se o artista tivesse jogado as luzes de um holofote num nevoeiro. E na arte o que me pega é a névoa