Por Ana Julia Silvino
A última vez que ouvi Deus chorar (Marco Antonio Pereira, 2023), curta-metragem exibido na mostra Foco Minas da 26° Mostra de Cinema de Tiradentes, é uma alegoria sobre um futuro que não chega. Através da vivência de Maria, uma jovem que se descobre grávida e está em constante fabulação sobre o feto que carrega dentro de si, o filme constrói uma mitologia própria e experimental sobre um momento político onde o presente está abandonado e, por causa disso, as pessoas são roubadas de uma perspectiva de futuro. Em uma cena do projeto audiovisual, um cachorro é caçado e a montagem constrói um looping acerca dessa imagem. Um tiro. Outro tiro. Outro tiro. Mais um. E segue assim por alguns minutos, reproduzindo incessantemente a alegoria da morte como delimitação de um ritmo contínuo. Essa cena é uma das mais interessantes do filme, pois é aí que a narrativa abandona a trama comum de Maria para centrar-se no que mais importa: o fato em que algumas coisas acabam, são destruídas, mas a imagem e o cinema permanecem.
A transversalidade do corpo social de Maria como uma mulher jovem do interior não é desenvolvida o suficiente para aprofundar a trama. Na realidade, Maria como personagem me parece ser um obstáculo para o próprio filme, por que sempre que a narrativa é lançada ao incerto, a história de Maria a puxa de volta a um lugar comum. Na cena do parto, quando descobrimos que a personagem dá luz a um natimorto, a preocupação com a plasticidade da imagem, quanto ao enquadramento e figurino dos personagens, tira a força do transtorno que é dar luz a uma nova morte e não a uma nova vida. Além disso, os diálogos reforçam uma preocupação excessiva em lançar-se à poesia. Os diálogos forçados e a crítica cristã – como se Maria tivesse gerado o próprio Deus e ressuscitado no terceiro dia assim como Jesus Cristo – dão à personagem uma importância que ela não tem – ou não deveria ter – e esquecem da proposição inicial que parece ser o ponto de partida para compreender as produções do cinema brasileiro contemporâneo, que precisa sempre reinventar-se a partir do caos, narrar pelos ruídos pela falta de recursos. Sobreviver apesar de tudo.