É Tudo Verdade: Eu e o Líder da Seita

me and the cult leader

Por Chico Torres

Em Eu e o Líder da Seita (Aganai/ Me and the Cult Leader – A Modern Report   on the Banality of Evil) temos a presença de dois homens que poderiam ser retratados como vítima e algoz, um caso típico de confronto que renderia cenas bastante constrangedoras e redentoras. Mas, se esperamos que embates polêmicos se desenvolvam através desse encontro tão incômodo, ficamos surpresos porque o que encontramos é quase que a história de uma amizade que se dá sem grandes exaltações. Os dois personagens, em uma viagem que transmite a ideia de jornada purificadora, parecem estreitar os laços ao longo do filme, fazendo com que aquela possível história polêmica ganhe contornos mais sutis.

O filme se abre para reflexões sobre moral, fanatismo religioso, consumo e perdão. Sakahara e Araki flutuam entre tensão silenciosa e desconcertante intimidade. Se o primeiro permanece em seu lugar duplo de interrogador intimidador e possível amigo brincalhão, Araki é de fato o personagem que sofre as maiores transformações e quem nos salva da monotonia do filme. Percebemos suas transformações emocionais à medida em que se avança na viagem de trem. No início, Araki aparece tímido e quase assustado com a presença da câmera; no meio, está emotivo e bastante reflexivo, revelando diversos aspectos de sua vida antes e depois de sua adesão à seita. No fim, aparece acuado, visivelmente contrariado por ter que carregar toda aquela responsabilidade.

São essas variações que sustentam o filme. Sakahara, através de suas perguntas e investidas que muitas vezes possuem a intenção de convencer Araki a sair da seita e retomar a sua “vida normal”, conseguem fazer com que ele reflita, ainda que de maneira fugidia, sobre as suas escolhas. Desse modo, vemos o confronto de dois mundos irremediavelmente conflitantes: o de Sakahara, ligado ao consumo e à realização, e o de Araki, ligado à renúncia e ao esvaziamento de expectativas. Mesmo que sejam temas instigantes, os diálogos se realizam de modo natural e, por isso mesmo, muitas vezes são truncados e tediosos. O filme plaina nesse tipo de ambientação morna e não consegue realizar de fato uma investida consistente em nenhum dos temas que levanta. Seu final acaba por condensar tudo aquilo que estava latente ao longo da viagem: o confronto direito e a redenção de Araki através de um pedido de desculpas diante da imprensa. A sensação que se tem é que esse elemento chegou tarde demais, enquanto que os outros, os mais sutis, foram mal aproveitados, talvez por culpa do próprio Sakahara que parece não ter conseguido explorá-los devidamente. Um filme que fica no meio do caminho e que extrai com timidez a complexidade de alguém que parece querer estar além do bem e do mal, mas que acaba por retornar, inevitavelmente, para as questões demasiadamente humanas.

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