Por Chico Torres
O sertão alegórico e fantástico é uma das fixações do cinema brasileiro. A ideia de que, em detrimento de todo o vazio, morte e desamparo, há espaço para a cor, para a beleza, para o encantamento, repetindo a velha história de que o sofrimento, ainda que endureça, é o que conduz o caráter de um povo que é essencialmente bom e criativo. O desejo de fantasiar, nesse sentido, parece estar sempre ligado ao clichê da esperança: esperança da chuva, esperança da comida, esperança do trabalho. Dedicar-se a esse tipo de fabulação e, provavelmente, cair no erro de produzir formas fetichizadas ou romantizadas do Nordeste e do sertão, há muito tempo se tornou um lugar comum do cinema e sobretudo da televisão, criando um tipo de produção específica que pode ser sintetizada, em seu estágio de máxima realização, com a minissérie Hoje é dia de Maria.
Ainda que o longa se utilize de aspectos mais contemplativos desde o seu início, quase que equilibrado com a sua tentativa de dar uma jornada à protagonista, o que se tem é a utilização da contemplação e também da fantasia de modo vazio e meramente pictórico. Todos os personagens do filme estão esvaziados de humanidade, de uma história particular, e o que realmente se destaca é a beleza dos quadros e algumas incursões não usuais da fotografia. Mas não se ultrapassa essa fronteira. Fica-se com a impressão de que o filme existe para a fotografia e para a direção de arte, não o contrário.
Rosa Tirana parece ser mais uma dessas obras que reitera a ideia de um sertão encantado sem a devida responsabilidade quanto às implicações que esse tipo de projeto pode suscitar. Essa responsabilidade não existe por alguma necessidade de estabelecer um papel político para a arte, mas é importante quando se quer falar de um lugar, de um povo, de uma cultura específica, de algo que tem o real como referência e que agora está sendo retratado por um grupo de pessoas que geralmente não possuem relação alguma com aquela realidade. Pode parecer bobagem, mas é um tanto chocante ver, por exemplo, a personagem de Rosa, que vive em extrema pobreza, possuir uma bolsa de couro nova e impecavelmente trabalhada. Apesar de sair um pouco fora da curva por seus aspectos de fantasia e contemplação, Rosa Tirana entra no rol dos filmes que colore e fantasia o sertão sem olhar devidamente para as pessoas que habitam aquele mundo.