Por João Pedro Faro
Em dado momento da cerimônia de abertura da 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, quando convocavam ao palco os apoiadores do evento, um representante da Polícia Militar foi chamado para integrar o grupo. Recebido com aplausos, o comandante fardado foi bem recebido pelo evento, sendo a PM Mineira listada como “parceira cultural” da mostra. Nos próximos dias, o que ocupou uma grande parcela das telas foram longas e curtas denunciando a ação policial, especialmente da PM. Cadê Edson?, de Dácia Ibiapina, é talvez dos exemplos mais claros e diretos que expõe o terrorismo de Estado imposto pela polícia.
Sendo dos mais “tradicionais” documentários vistos na Mostra, com cabeças falantes e legendas que localizam o espectador no tempo-espaço, o longa busca centrar-se em um protagonista. Edson Francisco da Silva, figura de liderança do Movimento de Resistência Popular, é filmado entre 2012 e 2018 em suas ocupações e discursos, passando pelo golpe de 2016 até a eleição do atual presidente. De início, sua forte presença parece ser o guia narrativo do documentário, junto com o caso da remoção do grupo que ocupava o hotel Torre Palace, promovida brutalmente pela PM brasiliense em 2016. Quando o filme progride, Edson perde o lugar que havia construído no longa, com uma condução desfocada que perde-se em imagens que a cercam.
A quantidade de trabalhos documentais recentes sobre os caminhos tortuosos vividos na política dos últimos 4 anos exige que novos lançamentos criem cada vez mais personalidade. Cadê Edson?, ao mesmo tempo, carrega ideias muito próprias (estudo de protagonista, uso de imagens não registradas pela equipe) e rende-se ao “lugar comum” encontrado nesse tipo de longa. Quando se afasta do seu personagem-título, a sensação é a de que estamos vendo as mesmas imagens que vimos em todos os outros filmes que circulam pelo mesmo momento político. A divisão do verde-amarelo e do vermelho, os personagens que encaram o planalto central e as falas absurdas dos trio-elétricos direitistas são alguns exemplos que tomam tempo de tela em um filme que parecia buscar enquadrar momentos e pessoas pouco vistos em outros projetos similares.
O título acaba sofrendo da ironia da direção, pois Edson desaparece dos registros à certa altura do longa. A falta de um foco tão claro acaba com a firmeza inicial da diretora, que parece querer totalizar uma narrativa que era tão forte justamente por estar focada em um ambiente menor e mais concreto. O que há de poderoso nas imagens ao fim do longa, razoavelmente entrecortadas pela presença do protagonista, é o uso dos registros em drone feitos pela polícia em sua ação de violência contra os membros do MPR que ocupavam o Torre Palace.
Dácia parte da reapropriação das imagens policiais: o drone busca tornar heroico o ato da polícia covarde, mas suas intenções iniciais são completamente subvertidas pelo contexto apresentado. Os helicópteros, lotados de policiais armados, sobrevoam um grupo de ocupantes do MPR desarmados, tratados como criminosos de alta periculosidade. É gratificante em ser impiedoso na exposição do antagonismo policial, um maniqueísmo justo e condizente com a premissa da obra de Dácia.
Mesmo bagunçado e desfocado, Cadê Edson? é mais bruto e enervante do que a maioria dos trabalhos que circundam um atual momento político. Não há relativização possível da presença policial, registrada como assombro, como terrorismo declarado pelas próprias imagens feitas por agentes policiais em operações, apropriadas de seu discurso de origem e expostas sem o filtro tenebroso do bom-mocismo. Um trabalho de erros e acertos mas que nunca dá o pé atrás no que acredita, nunca higieniza uma realidade tão sórdida.
Visto na 23a Mostra de Cinema de Tiradentes