A relação corpo-máquina: de Metropolis a Matrix

Por Natália Alonso

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Metrópolis (Fritz Lang, 1927)

Em 1927, Fritz Lang presenteou o cinema com a então obra retrô-futurista pioneira do cinema. Metropolis é, até hoje, uma das primeiras referências quando se pensa em Steampunk1. Começava, de forma categórica, e nada tímida, – muito embora ainda solitária –, a relação corpo-máquina no cinema.

Metropolis é um grande centro que utiliza um sistema organizacional trabalhista influenciado pelo capitalismo, um evidente cenário pós-Revolução Industrial. O funcionamento da metrópole engloba altos níveis tecnológicos e estilo artístico. O filme é ambientado no ano de 2026 e mostra a cidade futurista ideal (cenários deslumbrantes, avanços tecnológicos inimagináveis para a época), onde aviões circulam entre edifícios gigantes, no auge da urbanização, uma verdadeira obra-prima do engenho humano. Mas a sua ambientação excêntrica e detalhista não é a única coisa que a trama intenta mostrar: a crítica social ao maniqueísmo e à oligarquia – que está enraizada na sociedade capitalista até hoje – são pontos fortes a serem analisados. O contexto sócio-político também é relatado com destreza e com toque surrealista, característica muito marcante em diversas obras retrô-futuristas.

            A relação corpo-máquina, enfim, se fortaleceu nos anos 80, em películas como Blade Runner (1982), Videodrome (1983) O Exterminador do Futuro (1984) e Robocop (1987), que também influenciaram a criação de jogos com cenário Steampunk e exploração da onda tecnológica em situações surreais ou absurdas. Na contemporaneidade, observam-se games extremamente acurados, com gráficos e cenários que evocam os filmes dos quais sofreram grande influxo. Um exemplo é Fallout. O jogo, inclusive, em especial na sua versão de número 4, faz referência ao filme que consagrou Schwarzenegger de diversas formas, a começar pela caracterização dos personagens (jogadores).

            Na maioria dos filmes, a tecnologia surge como uma importante aliada ao homem, mas acaba por causar catástrofes, com a dominação pelas máquinas e a inversão de papéis: a máquina controla o homem e não mais o oposto (destaque para O Exterminador do Futuro 3 – A Rebelião das Máquinas, de 2003). A ideia de que a máquina poderia atingir inteligência suficiente e autonomia para fazer escolhas sem precisar do homem sempre transpassou os filmes de ficção científica. Pior ainda: a máquina seria capaz de alcançar uma inteligência sobre-humana, tomando conta da humanidade. O corpo humano, antes visto como instrumento de inteligência e de criação, dentro da gama sci-fi, apresenta vertentes, nas quais alcança sua capacidade máxima, tem força e poderes que não seriam passíveis na existência humana comum. Os androides, que até o século XX eram tratados como realidade em um futuro quase sempre ambientado no século XXI, são protótipos criados a partir do corpo humano (O Homem Bicentenário (1999), A.I. – Inteligência Artificial (2001), Ex-Machina (2014)). No entanto, o homem, na ânsia de aperfeiçoar seu próprio eu, cria alter egos com atributos dos quais ele não poderia desfrutar fora de um enredo de ficção científica. A inteligência artificial, derivada da humana, em diversas tramas, fornece às máquinas, ainda, a capacidade de ter sentimentos humanos, como empatia e amor.

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Matrix (Wachowski Sisters, 1999)

Mas, é em Matrix (1999), que a relação corpo-máquina atinge seu ápice nas telas. A história do hacker Neo (inesquecível, interpretado por Keanu Reeves) que é o “escolhido” na luta contra a dominação dos humanos pelas máquinas, não só tem todos os elementos clássicos sci-fi, como uma síntese conspiratória. Na Matrix, a raça humana foi dominada por inteligências artificiais. Neo descobre que esteve “dormindo” o tempo todo, conectado a um programa de computador, sem poder desfrutar sequer da própria força, sendo utilizado apenas como fonte de energia. Assim como o sempre atual Metropolis, há crítica sócio-política em relação a regimes ditatoriais e totalitários embutida no enredo, que se relaciona com problemáticas contemporâneas. Essa distopia pode ser vista em diversos filmes do gênero.

Apesar de os filmes do gênero serem reconhecidos pela saturação de efeitos especiais, também prezam pela teia bem construída, geralmente fomentando críticas construtivas e gerando reflexões mais profundas em relação à submissão da sociedade à tecnologia e a dominação pelas máquinas (na maioria das vezes em analogia à própria sociedade real). Ao longo do tempo, contudo, os efeitos foram aperfeiçoados, enquanto que a mensagem a ser passada estagnou: afinal, sempre esteve um passo à frente. Metropolis era atual em 1927 e é atual hoje.

Glossário

Steampunk: O Steampunk é um subgênero da Ficção Científica passado em uma realidade alternativa, cuja proposta estética remete ao Século XIX, como se a Era Vitoriana, por exemplo, tivesse sido de tal forma bem-sucedida que seus costumes, tecnologia e cultura tivessem perdurado por muito mais do que de fato perduraram.

 

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