Na Cidade do México, apenas 45 ambulâncias são de fato dos serviços governamentais. Em sua vasta maioria dos casos, o governo contrata ambulâncias terceirizadas para levar os feridos aos hospitais. Família da Madrugada conta a historia da rotina de uma dessas ambulâncias, comandada pela família Uchoa, que vara as madrugadas na rua atendendo e socorrendo desde vítimas de acidente de trânsito até uma mulher agredida pelo namorado. Já por essa contextualização da capital do México se percebe um retrato de mundo cão, por acaso ou não dirigido por um americano, e aqui a cidade está longe da estilização de algo como o Chamas da Vingança de Tony Scott, mas encara aquele espaço sob o mesmo desamparo causado pelo sistema falido.
A escolha do diretor Luke Lorentzen em filmar tudo como um filme de ação, se concentrando nas ações rápidas e localizadas dos homens da família, cria a cidade com luzes múltiplas, muito movimento, palco apropriado para o caos. Essa disposição no entanto por vezes estiliza demais aquele lugar, um encantamento com o potencial visual do dispositivo que não parece comentar algo além do exercício do gênero – o que certamente não é suficiente quando temas delicados vão surgindo na tela e sendo evitados. A interação da família em volta do dinheiro é um desses tópicos, filmado em detalhes por Lorentzen, comenta diretamente cenas como a bizarra corrida na qual ambulâncias disputam adoidadas pelas ruas para saber quem chega primeiro na vítima para faturar o dinheiro. A ética é importante diante da ação, e as consequências aqui nunca são sentidas; as vítimas soam como rotina, os perrengues financeiros também, e o que sobrevive é a ação carente de impacto.
O filho Uchoa é central nesse ínterim. Suas características de liderança e proatividade são vistas com simpatia pela câmera, e colocadas sob um ponto de vista mais frágil apenas quando Lorentzen usa do dispositivo das ligações no celular do filho mais velho, uma forma de exposição de seus sentimentos sobre as situações de estresse nas quais trabalha que fica repetitiva com o tempo, algo estruturado demais para criar mais camadas naquele personagem. O fato do personagem ser o com mais intimidade diante da câmera o deixa mais exposto e sensível a um arco emocional, mas Lorentzen parece mais interessado numa cobertura visual linear das ações, ao invés de coloca-las em alguma perspectiva opinativa.
Isso se reflete também no registro caótico dos pacientes. A preocupação formal em evitar rostos para não expor demais é louvável, mas mesmo com esse cuidado volta e meia o teor gráfico dos relatos soa exploratório, porque não muito é suscitado a partir dessas ações além de um lamento, de um desespero com a falta de trato urbano – crítica unidimensional que parece satisfeita demais consigo mesma. Os dilemas morais da família, que sempre atende os pacientes sem saber se receberá o dinheiro ou não (e por vezes não recebe mesmo), conduz bem a motivação daquelas pessoas nos primeiros minutos de filme, mas logo fica reiterativa.
Caso algo fosse feito com essa dubiedade, especialmente ao relacionar com as contradições nas quais a família tem que lidar ao perpetuar esse estranho sistema predatório de saúde, o filme sugeriria mais leituras do que de fato propõe. Como exercício de gênero diante do filme denúncia de realismo selvagem, se contenta com a força às vezes insuficiente da observação, sendo assim um curioso caso do filme que tem sua câmera à todo tempo perto dos personagens e da ação, mas sempre parece distanciado do que fala.