Por Gabriel Papaléo
Em uma das retrospectivas do Olhar de Cinema, os diálogos à época do exílio entre quem foi deslocado de sua pátria se desdobram nos filmes mais diversos de resistência, algo caro à reação às ditaduras latinoamericanas das décadas de 60 e 70. Como no mundo contemporâneo, globalizado, a ideia de algo próximo ao exílio é estabelecida? Um dos grandes truques do capitalismo é justamente o uso do consumo para atrair os então terceiromundistas ao chamado Primeiro Mundo, e essa imigração mais sutil e reconfigurada para uma contemporaneidade menos direta em suas opressões através de regimes políticos é uma dos temas trabalhados em Enquanto estamos aqui, filme de Clarissa Campolina e Luiz Pretti sobre a vida de ambos em trânsito fora do Brasil natal.
A chegada em Nova York, com a narração em libanês da protagonista feminina do filme, já traz toda uma estrutura à News from Home para construir o cinediário: imagens cotidianas, fragmentos de pessoas comuns à espera no metrô, nas ruas, em movimento constante. No entanto, as intenções narrativas de Campolina e Pretti são menos nos recortes diretos desse cotidiano, como nos filmes de Jem Cohen ou mesmo no filme antes citado de Chantal Akerman; o interesse maior é aproveitar a tapeçaria de imagens diárias para estruturar uma tentativa de ficção mais pesada, um filme de desencontros no qual as pessoas são à parte do quadro, no qual a encenação se mune de imagens típicas de filmes-ensaio.
Os encontros entre a libanesa Lamis e o brasileira Wilson, ela recém-chegada, ele há anos nos Estados Unidos ilegalmente, atravessam as memórias deles na cidade, e como lidar com a distância da família. É nesse fluxo narrado com a solenidade da voz de Grace Passô que percebemos o mundo contemporâneo que aproxima as migrações, a voz libanesa com a Estátua da Liberdade, as questões políticas brasileiras na mesa de bar que em quadro são meras ruas vazias.
Como o excelente A última vez que fui a Macau, que João Pedro Rodrigues fez na China a partir também de suas imagens de viagem, a ficção escorre pelas bordas do quadro, desafiando o ambiente ao redor a contar a historia dos personagens apresentados em off comentando os sentimentos deles, suas angústias e amores diante da cidade, e o que eles como estrangeiros podem comentar algo. Se no filme do português Rodrigues uma reflexão acerca da culpa colonialista estava presente diante da cidade chinesa colonizada pelo seu povo, aqui em Enquanto estamos aqui o palco novaiorquino é focado do ponto de vista dos acossados, das duas pessoas que se aproximaram num lugar que não os quer ali, apesar da capa de metrópole mundial da inclusão e dos sonhos.
Existe um balanço entre os afetos e as contradições que dá ao filme um coração no lugar, com seus personagens profundos apesar de quase nunca visíveis, porque a confiança no que o ambiente tem a dizer é suficiente para abraçar essa historia de conexões em lugares hostis, que apesar da falta de riscos consegue passar sua melancolia do trânsito irrefreável de quem largou sua cidade natal pra trás.