Cine OP: Mostra de Curtas

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Por Gabriel Papaléo

No terceiro dia do CineOP uma sessão especial de curtas ocupou o Cine Vila Rica, cujo recorte fora focado nos processos artísticos ao longo das décadas no Brasil, especialmente no período do Tropicalismo e do Cinema Novo. O foco do festival majoritariamente na preservação de filmes encontrou um diálogo forte com as diferentes formas de resistência oferecida pelos artistas da época, cujo registro narrativo de performances guarda não apenas uma tradução audiovisual dos diálogos com outras artes como também são documentos de resistência em tempos de perseguição no país.

A sessão curada por Lila Foster e Francis Vogner começou com Brasil, filme de Rogério Sganzerla rodado em 1981 numa ressaca de exílio que tenta dar conta dos sentimentos contraditórios que os signos atribuídos ao nosso país carregam. A fascinação com Orson Welles em sua passagem no país para rodar seu filme inacabado parece surgir como um desafio, questionamento desse homem cujo delírio de grandeza era entender o Brasil, e que foi quebrado justamente nessa tentativa antropológica que muito carrega de sequestro cultural estrangeiro. As imagens cartão-postal do Brasil, especialmente do Rio, apresentando uma melancolia de quem procura – e encontra – verdades nessas imagens banalizadas no uso para exportação. É na segunda metade que Sganzerla encontra uma antítese ao geral, ao macro, com o foco na gravação musical com Caetano, Gil e João Gilberto. No particular, no passional, somos compositores pensando a historia e tentando reagir as dificuldades, e cuidando para representarmos politicamente com cuidado até mesmo as imagens que nos foram sequestradas através dos reducionismos de sentido.

O que ressoa é sentirmos Cristo chorar de saudade de sua casa, e um tributo aos artistas que tentam traduzir esse espírito de um país em suas expressões artísticas.

A Fila, curta de Kátia Maciel, sucedeu esse olhar de tempos de mudança mas sob o viés mais burocrático do cotidiano. O olhar ansioso da câmera de Maciel abre uma breve cápsula do tempo com a burocracia sofrida pelos artistas em tempos de retomada, buscando rostos amigos por ali, encarando com certa farsa os problemas de incentivo que o cinema sofre no país através de uma escala micro, dessa fila interminável no prédio do Ministério da Cultura, habitado por quem espera viabilizar seus olhares e deve enfrentar uma estagnação por isso.

A dimensão lúdica dos atos de exercer a criatividade permanece em Ver e Ouvir, de Antonio Carlos da Fonseca, cujo foco em três artistas sessentistas na concepção de suas artes no presente à época preserva a intuição e experimentação de mundo através desse contato artístico.

O lúdico da arte contemporânea abre o filme com um plano em um parque de diversões, para então estruturar-se a partir de intervenções audiovisuais nas obras, de fato traduzindo um confronto apenas por deslocar essas obras de seus contextos originais e abri-las à cidade, a verdadeira protagonista do filme. Abre assim para o diálogo com o Brasil em tempos de dúvida, e ocupar a cidade com as obras para conversar com os rostos do cotidiano que com a incerteza lidam diariamente surge como dever cívico.

Se Fonseca adere a uma postura política de manifestos, Arthur Omar abraça a ambiguidade. O Som (ou Tratado de Harmonia) surge dessas dúvidas para experimentar performances na tentativa de conciliação e confronto entre a revolução armada e a sexual. A câmera passeia por rostos atravessando obras plásticas cuja força se dá na representação psicológica dessa ansiedade, enquanto o texto relata dimensões mais palpáveis diante das inquietações sexuais daqueles corpos. Um confronto que encontra em velhas utopias alguns conforto, não por acaso recorrendo ao mar como certo mediador (ou elemento de arrefecimento) das pulsões revolucionárias.

Ruído e Existência, de Carlos Adriano, adere a um dispositivo de fusões e duplicidade para conceber essa cidade que tem pesadelos estruturalistas. Talvez apoiado demais em uma ideia de exposição através do texto aparentemente abstrato e de certa fórmula visual estabelecida e repetida com poucas variações acaba parecendo um filme mais despropositado dentro da sessão, dialogando fielmente com uma tradição de quebra da superfície da imagem do cinema experimental e se contentando com isso, diluindo assim a potência política do relato visual dessa cidade de mistérios – ainda que a montagem costure bem a atmosfera provocativa do filme.

O fim da sessão levou as provocações de Ruído e Existência a uma forma mais frontal, com À meia-noite com Glauber, filme de Ivan Cardoso, e sua estética de Glauber Rocha e Helio Oiticica sob o filtro dos quadrinhos pop de Ivan Cardoso, a profetização via os iconográficos de gênero tão caros a Cardoso, mas aqui estranhamente despolitizando volta e meia as imagens dos artistas documentados. É com celebração e confronto que o terrir de Cardoso se estabelece, mas as imagens fora de contexto de Rocha caem numa possível fetichização que não está diretamente no cinema do baiano. O poder da montagem sempre deixa o filme interessante, e pelas contradições exibe um tom de desafio político que o sensorial camufla. Fora um ótimo filme para fechar a sessão, tão focada nos artistas e no que eles fazem para combater o status quo, e para Cardoso talvez esse confronto esteja irônico e desapaixonado. É uma visão que representa seu tempo, mas não necessariamente traz algo além do diagnóstico.

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