Por João Pedro Faro
Libelu: Abaixo a Ditadura, de Diógenes Muniz, é um documentário que extrai força de estruturas bastante tradicionais. Contando a história da tendência Liberdade e Luta, núcleo de militância de esquerda feita por estudantes paulistas em meados dos anos 70, o filme varia entre uma grande reunião de imagens de arquivo e entrevistas inéditas com os personagens da Libelu, oferecendo uma revisão dos impactos históricos do grupo pelos próprios protagonistas de sua existência.
É possível dizer que há uma qualidade quase televisiva ao longa. Sendo dinâmico e conciso na construção linear dos relatos e expansivamente informativo, Libelu se concentra em condensar os casos e ideias que pretende registrar em um modelo estético bem próximo do que se entende por “documentário jornalístico”. Há uma apresentação direta de seus personagens, seguida por incursões temáticas bem claras e divididas, resultando em um projeto de quase exatos 90 minutos preenchidos por um ininterrupto interesse em apresentar momentos-chave do movimento e os ocasionais comentários abertos do grupo de entrevistados acerca de suas implicações midiáticas, memórias de juventude e contos de suas participações dentro do movimento trotskista estudantil. Surge como sendo bastante determinado em apresentar perspectivas, tanto subjetivas quanto historicamente panorâmicas, a respeito de seu tema central, nunca se desligando de sua principal fonte de trabalho.
Parte dessa concentração é aliviada por uma transparência em seus processos de diálogo, típica ao cinema documental mais popular. As entrevistas de Diógenes são constantemente quebradas por perguntas que não querem ser respondidas, informalidades claras do ambiente em que se insere, memórias que tomam rumos cada vez mais pessoais e intervenções diretas através da entrega de fotos e revistas da época a serem comentadas pelo grupo de personagens. Consegue ser explicitamente formulaico sem que soe dissimulado, justamente porque alcança uma proximidade com o grupo que registra que é suficiente para deixá-los em primeiro plano. Especialmente em seu terço final, quando trata dos destinos dos militantes de Libelu posteriores a saída de cada um da vida militante, o documentário consegue traçar fortes relatos e, em alguns casos, fortes imagens que traduzem severamente questões como a desilusão política e a abismal diferença entre os primeiros anos da vida adulta e seus dias tardios. O depoimento do ex-ministro da fazenda (e ex-Libelu) Antônio Pallocci, gravado em sua prisão domiciliar, é particularmente melancólico e honesto, expondo um tema paralelo, mas crucial, ao documentário, que é a perda de um sentido enérgico e vigoroso impulsionado pelo engajamento político em difíceis tempos passados.
A conclusão, em um projeto bem acabado e que serve muito bem às próprias intenções, é uma informativa coleção de presenças que constroem uma unidade documental de memórias. Libelu pode acabar não sendo um documentário muito inventivo em forma ou apresentação, mas suas pulsões mais básicas acabam por realizar uma experiência muito funcional de recontos e resgates históricos dentro de um procedimento fechado e, abertamente, careta. Poucas coisas poderiam funcionar mais para acompanhar um grupo de pessoas desligadas de seu próprio passado.