Trevas e escuridão
Por João Paulo Campos

Com o surgimento do cinema digital, modos alternativos de produção começaram a aparecer. A revolução tecnológica barateou a feitura de filmes, o que contribuiu para a multiplicação de fitas realizadas na solidão.
Os filmes em primeira pessoa que povoaram as sessões de festivais brasileiros nos últimos vinte anos são, muitas vezes, sisudos e sem graça. A pandemia intensificou o tom fúnebre dessas obras, o que contribuiu para o esgotamento dessa tendência estilística. Pois nada disso vale para Um minuto é uma eternidade para quem está sofrendo (2025), de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro, obra que brinca com as sombras do eu para inventar outra dimensão existencial através da performance e do cinema.
O filme apresenta cenas domésticas de Wesley, um jovem gay que vive com a família num contexto de precariedade. Ele sofre com tendências suicidas, angústia e solidão. Mas o que faz deste filme algo singular é o que o autor faz com o sofrimento. Mais do que narrar suas dores num relato sério e monótono, Wesley constrói uma performance que desloca seu eu em cena. Com isto, ele se torna um personagem que seduz pelos excessos e extravagâncias que realiza diante do terror. A vida cotidiana é transmutada num atlas de atrações que transitam entre o horror e o hilário, o tesão e o imobilismo.
As filmagens de celular do diretor-ator mostram uma série de situações performadas por ele: leituras, banhos, sessões de cinema em casa, masturbações, mijadas, desabafos, piadas com animais domésticos tomam a forma de esquetes. Diferente de outros filmes em primeira pessoa, Um minuto é uma eternidade para quem está sofrendo é uma obra que não leva o narrador a sério. O performer se duplica e ensaia diferentes formas de brincar a partir da instância pessoal.
Em vez de fazer do cotidiano difícil uma atração, o longa cria cenas em meio ao caos do dia a dia. A luz cortada, a falta de comida em casa, a vontade de se matar e outras desgraças são narradas enquanto o performer faz a sua mágica. O que toma o protagonismo é o tom da fala, os gestos, o jogo de cena de Wesley. O sarcasmo demolidor e a auto ironia são características centrais de sua performance, o que desloca a vida precária e o sofrimento psíquico para uma zona lúdica de invenção despudorada.
O filme de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro se destaca na mostra Aurora deste ano ao sinalizar o que pode a arte diante do sofrimento. Virar outra pessoa se torna uma maneira de driblar as trevas da vida precária em cena. Através da performance, o longa revira as entranhas do show do eu contemporâneo.