DAHOMEY (Mati Diop, 2024)

por Carolina Azevedo 

Se para Chris Marker e Alain Resnais as estátuas também morrem, para Mati Diop, elas vivem e sofrem eternamente com a dessacralização atrás das vitrines dos museus. “O museu ocidental se baseia em crimes”, clama Françoise Vergès. Mas, se mesmo devolvidas para suas nações de origem, estátuas produzidas por nações africanas continuam condenadas à escuridão sem fim das salas de palácios e museus, há espaço para a utopia emancipatória da descolonização? 

Em Dahomey, a diretora franco-senegalesa resiste a responder qualquer uma dessas questões. Ao documentar o retorno de 26 tesouros roubados do antigo Reino de Dahomey – atual Benin – pelos franceses, Diop prefere dar voz aos estudantes da Universidade Abomey-Calavi e às próprias estátuas ao invés de patronear a discussão com a voz-off que caracteriza o tradicional documentário dito decolonial. 

O tom do relato, no entanto, está longe da neutralidade do documentário jornalístico. Entre imagens de trabalhadores que catalogam e embalam as estátuas e filmagens da celebração do povo do Benin em recepção aos tesouros roubados, Diop destaca a forma como a grande imprensa local estampa as capas de seus jornais: fotos de Emmanuel Macron e do presidente beninês Patrice Talon roubam o espaço e o crédito dos militantes que lutaram pelo retorno durante séculos. 

A discussão ganha forma nas palavras dos estudantes beninenses, cujas falas dão nome ao crime colonial: após o espólio francês, uma fração das obras desenraizadas retornam a um país desigual que ainda carrega, em todos os seus aspectos sociais, as cicatrizes do colonialismo. Como celebrar uma pequena vitória nacional sem se enganar sobre as verdadeiras intenções políticas e diplomáticas por trás delas? Como falar da violência na língua do dominador? É notável que a voz profunda da estátua do Rei Guizo de Dahomey não se expresse na opressiva língua francesa, mas em Fon. 

A voz da estátua se mistura com a trilha de Dean Blunt e transforma a ausência de imagens que toma conta de boa parte do documentário – a escuridão da sala do musée du quai Branly Jacques Chirac, em Paris, da caixa de transporte e do Palácio da Marina, em Cotonou – em algo de virtuoso ou sagrado. 

O resultado é um filme que evita o insulto que seria uma produção francesa que observa de cima os desdobramentos de um crime francês, ao filmar de forma horizontal, igualando as vozes de jovens locais – que ditam o futuro daquelas figuras – à voz das estátuas, que, libertas do passado de espólio, retornam à superfície do tempo. 

VISTO NA 48a MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO

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