Monster (Hirokazu Kore-eda, 2023)

Por Pedro Tavares

Hirokazu Kore-eda consolidou seu trabalho ao longo dos anos com abordagens melodramáticas em conluio com tramas de temas diversos, mas com poucas mudanças de perspectiva quando se trata da posição do narrador – em comum, o ensejo de transparecer a consciência das emoções. Monster, seu novo filme, significa uma mudança importante neste método. Após uma trinca questionável com Shoplifters (2018), The Truth (2019) e Broker (2022), sendo estes dois últimos produzidos fora do Japão e que evidenciaram certo engessamento do trabalho, seu retorno ao país de origem traz novos desafios na construção das emoções além de elemento-suporte narrativo.

É pela montagem que Monster se estabiliza e é uma surpresa já que seus minutos iniciais apontam para um outro lugar. O filme deixa de ser um drama envolvendo o amor incondicional de uma mãe pelo filho e resolve, pela montagem, sufocar este fio narrativo e estilhaçar as emoções a partir do questionamento. Em diversas camadas, o filme de Kore-eda coloca as motivações e caráter de seus personagens em questão e aborta sua relação com o cotidiano tão tradicionais e que renderam filmes como Like Father, Like Son (2013), Our Little Sister (2015) e o próprio Shoplifters. Em nome do afeto e da dor, Monster oculta a linearidade para evidenciar os horrores da violência e seus desdobramentos.

Há golpes de vista bem interessantes no filme a notar que todas as camadas partem do mesmo princípio. Ou seja, seus personagens estão ligados diretamente e desta costura de sentimentos e traumas que passam pela culpa, amor, ausência e principalmente pela dor, construídos por Kore-eda em microcosmos e nos aproximando das raízes de cada atitude vista. Com o mesmo modus operandi há o seu contraponto, a relação direta com a segurança e como ela é instintiva. Com este extremo, Monster constrói uma relação intensa e devastadora tanto pela percepção infantil quanto pela vida adulta.

O novo filme de Kore-eda se estabelece como uma análise sobre a volatilidade de nossos julgamentos sobre o próximo e como nossa complexidade oferece saídas inesperadas. Em conluio com as mudanças de perspectiva, estas intenções são acentuadas e assim como Kurosawa e Hitchcock que passearam pelo mesmo intuito, colocam, em primeiro lugar, o espectador como grande conjecturador – e também como réu.  

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