Amanda (idem, Mikhael Hers, 2018)
Como o cotidiano é interpelado e como interpelar o horror. A mudança de tom de Rohmer à ancorar seus personagens na cidade como um martírio é uma escolha esmagadora. Um filme de muitas sutilezas e que merece revisão e fica o eco da última cena do filme, das mais impactantes desde Phoenix.
Tyrel (idem, Sebástian Silva, 2018)
Espécie de versão mumblecore de Corra! no qual Silva se torna mais econômico que seus últimos filmes e asfixia seus personagens pelas lentes e planos fechados. Tal escolha lentamente transparece o tribunal armado no qual o espectador é testemunha e júri. Um raio-x das dicotomias da América, a terra da liberdade.
Longa Jornada Noite Adentro (Long Days Journey Into the Night, Bi Gan, 2018)
Um conto de retomadas como suporte de um desejo estético que notoriamente se esbalda quando o filme necessita dos óculos 3D. A aura onírica, os longos planos-sequência e o reencontro fabuloso fazem mais sentido que a primeira parte que se divide no lamurio do cinema de Wong Kar-Wai e a poluição de Jia Zhang-Ke.
O que Você Irá Fazer Quando o Mundo Estiver em Chamas? (What You Gonna Do When the World is on Fire?, Roberto Minervini, 2018)
A mudança de abordagem no cinema de Minervini é algo a ser notado, porém neste caso ele está mais próximo da releitura de métodos. Basta citar Game Girls que também está na programação do Festival do Rio para lembrar a frontalidade deste e a a forma rudimentar de Minervini. O filme talvez more nas frestas de George Washington de David Gordon Green e é curioso pois é mais funcional quando registra as relações de afeto ao invés da inclinação política e histórica.
Miriam Mente (Miriam Miente, Natalia Cabral e Oriol Estrada, 2018)
Aqui cabe a simples questão da sintetização do assunto em prol de seu impacto. Miriam Mente mastiga o assunto através de uma jovem negra inserida na realidade da classe alta da República Dominicana. O filme se resume a achar meandros que justifiquem a discussão e deixa para atrás o foco principal que é levantado com poucos minutos de filme.
A Camareira (La Camarista, Lila Avilés, 2018)
Notoriamente um filme que se priva do passo adiante na análise social e existencial para obedecer cartilhas de um certo cinema letárgico e extremamente atual. Curiosamente um filme que fala tanto sobre a infeliz tarefa de sobreviver pelas forças de um emprego. O filme de Avilés é um conto de repetições, que desenha seus ensejos e não os realiza, tão apático quanto sua protagonista.
Vox Lux (idem, Brady Corbet, 2018)
Música pop e o canto dos demônios, e a farsa da estrela decadente. A austeridade formal do Corbet drena toda a energia desse mundo criado desde o prólogo, desde antes da primeira tragédia acontecer, e por mais que exista impacto, o sentido dele parece avulso, como uma forma de se legitimar pela suposta elegância que a crueldade traz. As relações causais aqui tentam equivaler o culto às celebridades com o culto à violência, misturando de forma irresponsável a gravidade da extensão dos atos de cada uma, comentando suas cenas com a verborragia acadêmica que espera explicitar didaticamente um sentido político e metafórico no que vê – como quando encontra um inacreditável paralelo metafórico no estado emocional dos Estados Unidos pós 11 de setembro com o que a cantora provocava nos fãs. E por mais que haja habilidade de Corbet na hora de passar a claustrofobia do segundo ato parece que na hora de tomar decisões além do mero estilístico ele apele para esse narrador intrusivo e implacável para pontuar os atos bíblicos dessas ações cheias de um mal-estar atribuído a um mal muito específico, sugerido ao nomear os atos como Gênesis e Regênesis.
É o tipo de filme com olhos inquisitivos sobre a música pop por achá-la vazia de conteúdo, e cujo consumo pode apenas ser através da ironia, o que certamente o impede de melhores digressões além da capa do bom gosto. É delirante sobre seu alcance e a importância de sua personagem e suas mensagens, e mesmo assim, talvez pela ilusão de grandeza, através dessa formalidade posuda existe uma energia querendo ser liberada, uma inconsequência temática, por mais vazia e sem conexão ela seja; nesse sentido é meio o Mommy do Brady Corbet. (por Gabriel Papaléo)
Asako I & II (idem, Ryūsuke Hamaguchi, 2018)
Autodestruição em duas vias. O que surpreende no filme de Hamaguchi é como ele, dentro de arquétipos, é mutante, numa brincadeira do amor como o grande gênero do cinema – dele escoarão o suspense, o terror, a comédia. Disso Hamaguchi tira grandes momentos, em destaque na segunda metade, quando o martírio é mais agudo e o arrependimento a chave para a morte.
Tarde Para Morrer Jovem (Tarde Para Morir Jovem, Dominga Sotomayor, 2018)
O hoax do filme no circuito de festivais me parece óbvio justamente pelo o que costumam ignorar na escolha de filmes – o formalismo como via de comunicação. Sotomayor se inclina ao registro e se interessa mais em aparar arestas que de fato construir conflitos. Está completamente longe da inovação e tampouco do destaque nesta prática. No fim o que resta é um pedido de passividade aos seus tempos e personagens e que dessa vez curiosamente foi bem aceito.
Monrovia, Indiana (idem, Frederick Wiseman, 2018)
Wiseman continua um grande investigador. Aqui, o sonho americano é demolido pela estrutura, no ato da observação de um local de paz, tão ermo e belo que aspira intenções tão monstruosas em suas frestas. Wiseman, como sempre, se abstém do comentário, mas é incisivo em seus planos, seus tempos e desta vez, numa espécie de reencontro com a frontalidade de Titicut Follies, vela e enterra seu país com orações e armas.
Eleições (idem, Alice Riff, 2018)
Reflexo natural: acompanhar eleições de um grêmio estudantil num colégio estadual em São Paulo como analogia às estratégias políticas das eleições presidenciais. É curioso que o filme ganha contornos muitos semelhantes aos interesses dos eleitores de Haddad e Bolsonaro, porém o que realmente reforça o filme de Alice Riff é sua análise livre do cotidiano desses jovens para além dos muros. Neste nicho involuntário, enfim, temos um filme.
Assunto de Família (Shoplifters, Hirokazu Koreeda, 2018)
Curioso ver Koreeda deixar seu lado Ozu num conto propício para tal e readaptar livremente Crazy Family de Sogo Ishii. A partir daí, acrescentar suas características básicas acerca da identificação e afeto é um grande risco que o diretor aceita. É um filme certamente mais livre para dialogar com as emoções, mas é notoriamente problemático para unir os blocos organizados, principalmente no terço final.