Festival de Brasília: O Pequeno Mal (Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune, 2018)

temporada-andré-novais-oliveiraDois Godard

Por Pedro Tavares

Uma conversa telepática entre o Godard pré e o de pós maio de 68. O Pequeno Mal é um filme-diagnóstico que está sempre no limiar da intimidade e do manifesto. Com isto, fica a inevitável associação por signos que legitimam o caos que vivemos. A escolha dos diretores Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune é de transformar o filme numa reação automática ao que se vê e vive. O caos urbano, a sufocante rotina e o desespero para se amar e ser amado.

A construção mística de um sentido é a catapulta para o confronto com o real – é possível remeter a Rivette e Hal Hartley no ideal cosmológico, mas o modo de viver a vida é godardiana. Um filme que está sempre para o corte como amparo desses signos da desordem: a impossibilidade de estabilização – em diversos sentidos – que ganha forma de trauma. Não há um só caminho que não leve a ele. Pertinente à direção pessimista que nunca se descontrola, O Pequeno Mal apenas ensaia uma variedade de abordagens com o apoio da linguagem – o corte – como uma sugestão anárquica ao que se conta. É o confronto da situação pronta versus os personagens à deriva, andando em círculos que reconhecemos como rotina.

É o fim da utopia da forma mais curiosa possível – a bricolagem que sufoca a radicalidade como reflexo de um mundo de desarmonias. Este pedido de atenção e submissão à imagem ao mesmo tempo em que se testemunha sua consumação reverbera um sentido comum no cinema brasileiro contemporâneo, entrelaçando a distância e a capacidade de síntese de argumentos puramente sociais. Diminuir ou acabar com o abismo que separa a existência e a ideologia e coloca-los na mesma linha pela ilusão; não há espaço para as duas em cena, portanto a solução de Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune é a fusão, como uma ponte que soluciona – supostamente – problemas locomotivos em uma cidade.

Em primeira visita, O Pequeno Mal é um filme que apenas sugere seu sentido pelo reordenamento e reencenação – a troca de lugar, gostar do que não se gosta, etc. É o caso de concretizar o que é flutuante pelo simbólico e manusear a certeza, um claro princípio do cinema, como uma constante. A famosa cachoeira de Humberto Mauro aqui chega intervalada, como uma possibilidade cognitiva sobre a vida na cidade. E não deixa de ser uma operação relevante.

 

Visto no 51º Festival de Brasília.

 

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