DANAÇÃO: O PESO DA EXISTÊNCIA PRESENTE NA ESTÉTICA

Por Bruna Dantas

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O cinema contemplativo em máxima. Extremismo estético, filosófico e existencial. Béla Tarr bebe da tradição tarkovskiana, uma das grandes precursoras do slow cinema, mas seu trabalho aprofunda essa tradição ao bifurcar novos caminhos para lançar e discutir questionamentos sobre a condição humana e, aproveita esse momento, para polir sua estética cinematográfica. Mais tarde, impulsionou outros cineastas a utilizar várias facetas do cinema enquanto estética da contemplação, a exemplo do cinema de Gus Van Sant e Jim Jarmusch.

O diretor teve uma carreira curta e concisa. Sua obra pode ser “dividida” (entre aspas, porque não se trata de uma cisão profunda) em dois momentos: o começo de sua filmografia (onde há uma preocupação maior com o realismo e a análise sobre as condições sociais e políticas da Hungria, com filmes que se assemelham à proposta da new wave húngara) e, mais tarde, quando seus filmes se entregam completamente ao slow cinema: takes longos, minimalistas, mais alertas em relação ao niilismo e às questões existenciais, individuais. Tarr alcança o ápice de sua carreira. Danação (ou também Condenação, no Brasil) é o filme que desponta essa segunda fase e, por ser o primeiro de um novo momento para o diretor, vem muito potencializado de pessimismo e de uma estética dramaticamente carregada, quase em uma forma mais crua.

Danação não é um filme onde o plot é fundamental. No geral, a narrativa em si dos filmes de Tarr está muitas vezes pautada no cotidiano mais banal. A grandiosidade mora exatamente na poesia visual que o filme pode alcançar. Ele se pauta na construção de imagens, sons e curtos diálogos que buscam remontar e trazer à tona emoções e sentimentos, que parecem residir na camada mais profunda do subterrâneo humano, do desespero em suspensão. O plot está ali apenas como chave inicial para levar o espectador a uma experiência niilista, sensorial, do cinema que potencializa a observação e usa o silêncio como elemento narrativo. Os poucos momentos de diálogo são sempre muito reveladores, no sentido de serem os únicos momentos onde há uma verbalização de tudo aquilo que se acompanha pelo silêncio insistente.

O primeiro plano já mostra suas intenções – cinco minutos a observar um teleférico que diminui a um zoom out e vemos o personagem principal, Karrer, contemplando uma paisagem húngara sórdida, fria e desoladora. Na espera de algo acontecer (estamos sempre à espera de algo acontecer), há a possibilidade do sentir seguido de reflexão.

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A ausência de diálogo engendra-se em cada frame e a música tradicional está quase sempre presente, embalando uma nação de iludidos. No Titanik Bar, reduto de concentração da trama, canta a amante: “Acabou. Está tudo acabado. É o fim e não há mais volta. Não ficará bem. Não mais. Nunca mais. Talvez nunca mais. Tudo tornou-se um pesadelo. Tudo. Talvez, quem ainda virá? De onde virá? Se é que vem. Ou não virá. Ninguém mais? Talvez nunca mais. É pegar ou largar, só com isso se pode contar. O que fazer? Não há mais palavras. Já não se pode mais partir. Já acabou há muito tempo. Seria bom se todos esperassem. Bom saber que logo partirei[…]”

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Os planos são longos, interminavelmente lentos. Essa estagnação, a chuva perene, o vagar sem rumo do personagem entre a “natureza-morta”, são elementos que estão ali para contestar o próprio tempo. Eles evidenciam que nos planos de Tarr não existe a possibilidade do novo e muito menos do progresso individual. A condenação da espécie humana está dada como algo impalpável, mas presente, irreversível e intrínseca.

A câmera na mão é sorrateira, segue os personagens em seu íntimo, aproximando-se do estilo documental. Há um formalismo no uso do preto e branco contrastado, fotografia esta que é recorrente em seus filmes, deixando clara a proposta de uma dureza mórbida do transcorrer da vida.

O movimento dos personagens é fundamental nos filmes de Béla Tarr – a constante perambulação e o ir e vir incessante. Contudo, esses elementos não representam mobilidade. O ato de andar está sujeito ao imóvel, é como andar em círculos num quarto fechado. Esse deslocar não leva a um objetivo, muito menos a algum lugar.

Ainda assim é visível a pretensão dos personagens em avançar, buscar uma realidade material diferente daquela. A migração ou o sonho de uma carreira artística são desejos rapidamente embotados pela forma trágica como Béla Tarr molda esse universo. Há um pessimismo que praticamente beira o apocalíptico e se realiza na forma como ele trata da condição humana e sua progressiva danação, passando assim, para uma análise mais frontal de possível identificação universal.

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A tônica que Tarr demonstra em tela nada mais é que a vontade de desvelar o que está debaixo da ponta do iceberg. É tentar tornar visível, através do slow cinema, o que parece ser invisível e de impossível representação, pois tange uma camada humana muito íntima. Ele faz do espectador um canalizador do sensível, acompanhando por muito tempo, em suspenso, o desdobramento das relações humanas. Porém, nada há em oferecer ou concluir senão o vazio e o irremediável.

É o esforço patético da vida. No ato final, Karrer fica de quatro e late contra um cão, revelando todo o lado primitivo que carrega os homens. Como um covarde, está cercado pela desesperança. Movimento desesperado para tentar se diferenciar da ambiência das pessoas daquele lugar, retomando ao homem anômalo nesse possível escape do poder, da imaginação coletiva, do entendimento social.

Danação é o primeiro passo revelador de como se moldou o slow cinema nos subsequentes trabalhos do diretor, características que se firmam ainda mais em trabalhos posteriores como Sátántangó, As Harmonias de Werckmeister, O Cavalo de Turim, entre outros.

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