Por Gabriel Papaléo
“O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade. (…) A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata.”
Ítalo Calvino, As cidades invisíveis
Se talvez não tenha nascido com a cidade, ao menos transformado, retorcido e intoxicado por ela o cinema foi. A relação simbiótica com o movimento é particularidade tanto da cidade quanto do cinema, e a partir dele muitas vezes adentramos esses espaços e seus códigos e mistérios. Para o tema desse trimestre atravessamos filmes que intuem um pensamento de cidade, iconográficos de representação no espaço urbano, os meandros e processos do trânsito de pessoas e máquinas. A ocupação do ambiente como violência ou resistência, e as ramificações desse choque social da presença. Olhares de contexto, panorâmicos, detalhados e íntimos do que colocamos como ideais de espaço de convívio de trabalho e trânsito. O que esse urbano oferece de mitológico, máquinas e humanos em confronto e harmonia, o que a cidade evoca de invisível. De travelogues que funcionam como registro emocional da experiência de vagar pela cidade, a retratos que parecem filmar os fantasmas históricos de cidades cuja carga histórica parece indissociável do presente, passando pelos filmes cujas entranhas ficam pelo chão quente do Rio de Janeiro, ruas de fogo sob as profecias e cataclismas culturais dos delírios febris de fabulação no ambiente urbano.
Variedade de metrópoles de diferentes continentes, e as repetições do que nelas se insere. Variedade também de gêneros e dispositivos representando as diferentes formas de intervenção na cidade, nas formas que somos atravessados por seus signos, pulsões e ações. De filmes que debatem diretamente sobre como representar a cidade, aos filmes cuja paisagem e arquitetura da cidade ajuda a refletir sobre a passagem do tempo nela, suas transformações e os retornos de seus habitantes.
Que todos os fantasmas passados e presentes continuem assombrando as cidades, gravando sob as mais diversas armas sua existência nesses lugares por vezes grandes demais, por vezes pensado por e para quem não vive o dia a dia, mas que só são alçados à fabulação e ao coração dos sonhos e esperanças quando atravessado pelo povo que habita esses centros urbanos no cotidiano.
Boa leitura!
Edição revisada e editada por Camila Vieira.