Justine Triet, uma cineasta no século XXI

Por Lucas Saturnino

I.

Dado que “Sur place” (2006) e “Victoria” (2016) compartilham um ponto de partida dramatúrgico em comum, pode-se dizer que Justine Triet passou da videoarte à comédia romântica de modo absolutamente coerente. A francesa Justine Triet nasceu em Fécamp, na Normandia, em 1978. Formou-se em artes plásticas na Escola de Belas Artes de Paris. Seus primeiros trabalhos em vídeo (como “Sur place”) circularam majoritariamente em museus. Em uma década, suas narrativas audiovisuais foram do Centre Pompidou ao Varilux (que exibiu “Victoria” no Brasil) movidas por um mesmo motor: a precarização do trabalho e a mútua erosão das esferas pública e privada na sociedade francesa.

“Sur place” se baseia em filmagens de uma manifestação anti-CPE (“Contrat Première Embauche” = “Contrato do Primeiro Emprego”) em Paris, março de 2006. No início daquele ano, o primeiro-ministro francês Dominique de Villepin havia apresentado um projeto de lei para instituir um novo tipo de contrato laboral, o CPE, cujo objetivo seria combater os altos índices de desemprego na juventude – entre 20% e 25%, número que se mantém até hoje. O CPE seria destinado a menores de 26 anos e tornaria a demissão mais fácil, permitindo ao empregador demitir seu funcionário sem a necessidade de apresentar quaisquer justificativas durante um “período-teste” de 2 anos – duração máxima do contrato.

Argumentava-se que, aos olhos dos empregadores, seria mais fácil contratar caso também fosse mais fácil demitir. Todavia, protestos de larga escala irromperam por todo o país, capitaneados por jovens, estudantes secundaristas e universitários. A enorme oposição ao CPE – 68 universidades públicas foram ocupadas, estima-se que até 3 milhões de pessoas possam ter saído às ruas, em meio a paralisações e ameaças de greve geral – sagrou-se vitoriosa quando o governo recuou, abandonando a proposta menos de um mês após o presidente Jacques Chirac assiná-la.

“Sur place” prenuncia duas décadas politicamente tumultuadas na França. Com efeito, os protestos estudantis de 2006 inauguraram uma nova era de insurreição social no país, junto à revolta que havia eclodido nas periferias francesas em 2005, após o assassinato de dois jovens de origem imigrante em decorrência de uma ação policial – e, no filme de Triet, veem-se muitos negros.

Contudo, nenhum contexto nos é dado: cabe ao espectador projetar nas imagens as razões que ele deseja para a revolta; assistir “Sur place” é uma experiência similar à de ter vivido a década de 2010, acompanhado o surgimento de grandes protestos por todo o planeta e as subsequentes tentativas de decifrar seus significados ou mesmo se apropriar da dor, revolta ou catarse dos outros (ou deslegitimar tudo isso) – da Primavera Árabe ao Chile e Hong Kong, de junho de 2013 no Brasil aos coletes amarelos na própria França.

Triet enquadra a Praça – espaço-símbolo de tantas dentre essas manifestações – e o guião é prontamente reconhecível: o protesto se encaminha ao fim e os participantes se agrupam – ou são agrupados (pelas câmeras da cineasta, mas também pelas da mídia em cena) – em um canto, e a tensão aumenta à medida que se instala a estranha calmaria que precederá a previsível tempestade a ser incitada pela ação da polícia.

“Sur place” contrapõe o niilismo dos jovens manifestantes, dispostos a encarar a repressão, ao niilismo dos patrões, confortavelmente fora de quadro, propensos a bancar a violência que explodirá no espaço diegético. O confronto entre manifestantes e policiais é o choque entre um movimento caótico e outro mecanizado – os policiais, afinal, já foram absorvidos pelo mercado de trabalho. A ambiguidade/transitoriedade das narrativas que buscamos impingir discursivamente nas imagens é reforçada pela presença de policiais à paisana, os quais parecem ser manifestantes constantemente virando a casaca.

O vídeo “Sur place” pertence à Colecção Berardo, além de integrar a coleção new media do Centre Pompidou, em Paris. A Colecção Berardo leva o nome de José “Joe” Berardo, empresário madeirense que fez fortuna explorando ouro na África do Sul, e conta com obras de artistas como Picasso, Bacon, Miró, Duchamp, Warhol, Basquiat e etc.

Em 2006, um comodato (empréstimo gratuito a prazo) de 862 obras entre Berardo e o Estado português deu origem a um museu no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Em 2016, o acordo foi renovado até 2022. Como “Sur place” não está entre as 862 obras inicialmente inventariadas pelo Estado, é de se supor que sua aquisição tenha ocorrido entre 2007 e 2008, quando novas peças foram compradas.

O acordo previa a ampliação anual da coleção: o Ministério da Cultura e Berardo contribuiriam com 500 mil euros cada e formar-se-ia a Coleção Estado-Berardo, a qual poderia ser vendida ou adquirida por uma das partes ao fim do comodato. Compraram-se 214 obras antes de Berardo e do Estado português desistirem da iniciativa em 2008. E, assim, “Sur place” foi parar num museu em Lisboa.

Em 2019, Berardo tornou-se pivô de um escândalo em Portugal: ele deve cerca de 980 milhões de euros a bancos portugueses (inclusive públicos), que desejam aceder à coleção para cobrar a dívida. Convocado a prestar esclarecimentos no parlamento, riu-se ao ser confrontado pelos deputados sobre as suas dívidas. Segundo Pedro Lapa, antigo diretor artístico do Museu Berardo, a Coleção Estado-Berardo teria sido formada de maneira “pouco precisa, pouco estruturada, numa perspetiva museológica e nacional” e as 214 peças (“Sur place” inclusa) adquiridas em conjunto por Berardo e pelo Estado teriam um futuro incerto.

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II.

Triet filmou duas eleições presidenciais francesas seguidas: 2007 e 2012. Em ambas, dirigiu-se à Rue Solférino, em Paris, onde fica a sede do Partido Socialista francês. Em 2007, realizou um documentário de média-metragem, “Solférino” (2009), que registrava a decepção (compartilhada por ela) dos presentes com a derrota de Ségolène Royal frente à Nicolas Sarkozy. Cinco anos depois, retornou ao local para incorporar a ocasião na ficção. Em “La bataille de Solférino” (2013), seu primeiro longa, Laetitia Dosch encarna uma jornalista cobrindo o dia eleitoral enquanto o ex-marido briga com ela para poder ver as filhas dos dois – em suma, ela falha em manter a vida pessoal afastada da profissional.

Ao fim do dia, após serem conhecidos os resultados, tumultos (igualmente descontextualizados) emergem nas ruas e se pressente o enfrentamento com a polícia –momento em que a tensão racial é evidente. A personagem de Dosch funciona como uma extensão das pequenas massas de fotógrafos e jornalistas que víamos cobrindo os protestos em “Sur place”. Ao ex-marido, ela se jacta de ser uma formadora de opinião, alguém a quem o público recorre para construir um ponto de vista.

No entanto, a própria estrutura do filme realça a futilidade de se emitir julgamentos com base em recortes arbitrários e seletivos. Quem se atreve a ser categórico a respeito dos personagens? Por um lado, os ex-cônjuges comportam-se de maneira que corrobora as acusações de um em relação ao outro – a mãe a praticar alienação parental e o pai a ser violento. Por outro, presenciamos uma situação-limite e não sabemos de mais nada sobre os dois – ambos são narradores não-confiáveis; falta-nos, justamente, informação.

No instante da vitória de Hollande, a reação da jornalista à História desenrolando-se à sua volta é de indiferença e, sobretudo, desorientação. Ela se encolhe na massa; e o documentário sufoca a ficção. Triet achava que Sarkozy iria ganhar, de modo que o estado de penúria da personagem seria compartilhado pela multidão. Faltou combinar com os russos, já dizia Garrincha. Mexer com o real pode ser assim imprevisível. Dosch teria até sido confundida com uma verdadeira repórter, sendo cobrada pelo seu posicionamento.

Na obra de Triet, a deterioração das esferas pública e privada é um processo que se intensifica conjuntamente. As relações entre pais e filhos se encontram judicializadas: é o Estado quem define quem estará com quem e quando, organizando os elementos em cena. A luta do pai em “La bataille de Solférino” é para poder permanecer no espaço diegético – e ele o faz exibindo uma decisão judicial.

As protagonistas de “La bataille de Solférino” (uma repórter) e “Victoria” (uma advogada) têm muito comum: o emprego das duas pressupõe uma dose de performatividade pública (manter uma imagem: a maquiagem e o figurino mudam drasticamente quando elas não estão trabalhando) e ambas lidam diretamente com o aparelho estatal. Elas representam canais de comunicação entre o povo e o Estado; nenhuma, porém, está dando conta.

A repórter passa o filme segurando o choro, à sombra da “festa da democracia”, e tentando manter o autocontrole em frente às câmeras, o qual inexiste, na vida privada da formadora de opinião pública, a partir do momento em que ela sai do ar. A advogada também trabalha performando – diante dos representantes do Estado (e os julgamentos são razoavelmente ridículos; representação sintonizada com a crise de confiança na aptidão da democracia).

No início de “Victoria”, a personagem-título surge discursando diante de uma câmera: trata-se de uma mensagem de felicitações a um amigo que está se casando. Ela erra e repete várias vezes. “Mais natural”, diz quem está a filmá-la. “Seja mais natural”. Fora do trabalho, Victoria se mostra extremamente desconfortável em performar. Perdeu o jeito.

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III.

“La bataille de Solférino” é uma ficção imersa no real. “Victoria” também; embora não tenha um “pano de fundo documental”, à exemplo das eleições no filme anterior. Assim como em “Sur place”, o estado das relações trabalhistas na França impulsiona a ação dramática no filme – uma comédia romântica cujo romance só ocorre devido ao desemprego. Em outras palavras, a ficção resulta da teatralização de tensões político-econômicas e sociais. À título de comparação, um movimento semelhante ao realizado em “Les Neiges du Kilimandjaro” (2011) e “La Villa” (2017), dois filmes de Robert Guédiguian que, por sua vez, versam sobre os efeitos da desindustrialização no sul da França.

“Victoria” aborda as relações de Victoria – uma advogada, mãe de duas filhas pequenas – com três homens diferentes: seu ex-marido, um amigo que ela aceita defender em um processo de assédio e um antigo cliente que passou a trabalhar de babá para ela.

No casamento de um conhecido em comum, Victoria reencontra Samuel (Vincent Lacoste), um ex-traficante a quem havia defendido. Ele parou de traficar (ou seja, deixou o mercado informal) e precisa de um emprego; então, tenta convencê-la a aceita-lo como seu assistente pessoal: afinal, ela precisa de uma babá e ele está disposto a tudo; assim, os dois podem unir o útil ao agradável – ou o burnout ao desemprego.

Samuel explica-a que poderia ser útil como uma espécie de faz-tudo, um “homem nas sombras” (a subalternização implica em invisibilidade, à exemplo do que diz o guarda-costas encarregado de proteger Victoria durante o julgamento: “Eu sei como manter certa distância”) capaz de resolver os problemas dela, além de estar disponível a qualquer horário, pois até dormirá – por necessidade dele – no trabalho (i.e., a casa dela).

Ele propõe-na um teste: passará uma semana dormindo no sofá dela e trabalhará de graça em troca de uma oportunidade. Sua saída para se reinserir mercado de trabalho é a sujeição absoluta – direitos trabalhistas inexistem e mesmo o salário, em meio a estágios não-renumerados e jobs por visibilidade, torna-se um luxo, quase um favor do patrão.

A influente youtuber Nathalia Arcuri (dona do que afirma ser o maior canal sobre finanças no YouTube do mundo, e apresentadora do programa “Me Poup!” na Band) recomenda uma conduta semelhante ao desempregado: oferecer-se para trabalhar de graça durante 4 horas por dia em um período de 2 semanas, com a finalidade de poder demonstrar o seu valor e se fazer “presente e insubstituível”.

Samuel se desvaloriza para mostrar que ele – um jovem sem experiência profissional – tem consciência de que, segundo a lógica do contratante, não vale nada até se provar meritocraticamente. Tal figura do jovem psicologicamente e economicamente à deriva entre o desemprego e o subemprego é uma constante no cinema francês contemporâneo e encontrou sua expressão mais marcante em “Jeune femme”, de Léonor Serraille.

Note-se que a vitória de Hollande não serviu para muita coisa, o que ajuda a explicar o colapso da centro-esquerda em países como a França e a Alemanha. “Nada mudou”, declarou Triet um ano após a estreia de “La bataille de Solférino”, atentando para a ironia dos cartazes excessivamente esperançosos com o candidato socialista, os quais logo adquiriram um aspecto de comicidade e cinismo. Diferentemente de quando Miterrand foi eleito nos anos 1980, ela alega que a maioria dos apoiadores de Hollande tinha consciência de que nada mudaria e de que a grande vitória era a derrota de Sarkozy.

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IV.

Se considerarmos que o papel mais famoso do Melvil Poupaud é em “Conte d’été” e que neste filme ele bem poderia estar interpretando a mesma pessoa 20 anos depois, “Victoria” é um filme no qual a protagonista tenta salvar um personagem do Rohmer de uma acusação de assédio sob o argumento de que “Sim, ele é um babaca, um grande merdinha, todos sabemos, mas, afinal e a rigor, isso não é crime”.

O personagem de Poupaud não tem mulher nem filhos. Então, a estratégia para que o júri veja-o como um “cidadão de bem” é focar no trabalho, encenando-o como alguém respeitável mediante suas responsabilidades profissionais – a essência do homem. “As pessoas não veem homens bonitos como assassinos. E pessoas bonitas ganham mais que pessoas feias”, explicam-no – imagem é autoridade é dinheiro é sexo é imagem.

Outra linha narrativa trata da apropriação que o ex-marido de Victoria (um aspirante a escritor) faz da história de sua vida – ele pode, é o homem, o autor, cheio de status e hubris –, criando uma personagem inspirada nela, a qual, informam-nos, ganhou o direito de explorar inclusive no cinema. Ora, mas já estamos vendo um filme!

A história de Victoria, tal qual contada por Triet, inclui o fato de que um homem tentou tomar sua biografia de assalto – e conseguiu. A cineasta se reapropria dessa apropriação; porém, sem omitir as difamações do ex-marido, sejam verdadeiras ou não, muitas das quais até podem ser – Victoria admite ter transado com juízes, por exemplo. Pois Triet afirma não desejar que suas personagens femininas sejam meramente vítimas.

Triet sabe que o modo mais justo de se amar alguém é amando-o de maneira que abarque também os seus defeitos – quanto mais em uma economia regida pela performatividade social. A imperfeição da personagem humaniza-a e engrandece-a; suas falhas não são rebeldia ou pose, mas vulnerabilidade e desorientação: ela, uma advogada bem-sucedida, porém esgotada psicologicamente, é a personificação da sociedade do cansaço e do quão insuficiente e insatisfatório é mesmo o “sucesso” burguês no capitalismo tardio.

Simbólico que o personagem de Lacoste seja um traficante – ocupação-chave da vida contemporânea – e que seja o traficante a virar o apoio psicológico dela. Só cheirando ela se põe de pé para a última missão. A vida à base de fármacos – medicinais ou recreativos.

Igualmente emblemático que Victoria tenha comprado um celular inquebrável, que pode ser arremessado no chão ou contra a parede porque foi “feito para militares” (vide Les combattants, de Thomas Cailley, em que a personagem de Adèle Haenel busca se militarizar para sobreviver ao apocalipse vindouro). O celular toca a todo momento com questões de trabalho – até quando ela está transando. Ele põe-na acessível o tempo todo, pulverizando a noção de expediente e tornando-a refém de sua disponibilidade.

Victoria não para de pensar em trabalho nem mesmo durante o sexo. Os homens que ela conhece na internet chegam à sua casa nos horários combinados, mas sua mente ainda não está no mesmo lugar que o corpo. Ela não consegue se fazer presente e estar ali para o outro. A relação dela com o tempo das coisas é esquizofrênica: no trabalho, está pensando no terapeuta; no terapeuta, em sexo; no sexo, em trabalho.

Após ser suspensa da advocacia por alguns meses, uma montagem sua “aproveitando o tempo” com as filhas mostra-nos o quão desconectada ela está de tudo: sem trabalhar, fica vazia, não consegue recanalizar as energias, não sabe tirar prazer de mais nada, sua vida entra numa pausa. O trabalho colonizou o modo dela estar no mundo: “Eu preciso do meu trabalho, não posso viver assim, preciso me reconectar com as pessoas”, ela diz – a vida profissional substituiu outras formas de sociabilidade.

O cenário doméstico possui um aspecto caótico: o quadro preenchido ao máximo, não há espaço, brinquedos e coisas estão por toda a parte. As crianças representam o real (em ambos os longas, interpretadas uma pela filha dela e a outra pela de sua melhor amiga), uma vez que, explica Triet, eram crianças tão pequenas que os atores é que tinham de se adaptar a elas e não o contrário. As crianças – o real – embaralhavam o set, dando origem a uma tensão crua e genuína e gerando a necessidade dos atores efetivamente virarem babás das pequenas (cf: “Poto and Cabengo”, de Jean-Pierre Gorin).

As babás nos filmes de Triet são sempre homens, invertendo a divisão sexual do trabalho clássica, que delega as tarefas domésticas às mulheres, enquanto os maridos passam o dia fora de casa no emprego. Victoria, divorciada, cria as filhas sozinha, mas não tem tempo para elas por causa do trabalho, o qual, porém, paga as despesas de criá-las. O dinheiro que ela ganha trabalhando permite-a contratar ajuda para suprir sua ausência enquanto ela trabalha para ganhar o dinheiro que suprirá sua ausência.

E o pai? Nada. É uma figura infantil, que ademais não paga pensão alimentícia há 7 meses. Já Victoria é uma mulher que triunfou no mercado de trabalho. E do que chama-a o ex-marido? “Mulher fálica”, de “sexualidade cerebral” – como se o trabalho a tivesse masculinizado. Ela afirma que seu ex-marido nasceu em uma família burguesa e não possui preocupações financeiras, tendo tempo para bancar o moralista. Por outro lado, ela não teria tido escolha exceto cometer muitos erros. Questão de classe. No capitalismo neoliberal, ascender socialmente requer certa dose de amoralidade.

Da vidente ao psicólogo, sua conduta é errante mesmo na busca por ajuda. Ela não sabe o que quer e abre-se a tudo. O flerte com o esoterismo revela uma dupla desconfiança: a ajuda não virá nem dos homens nem dos deuses; então, ela procura o oculto, um que a informe de um futuro já escrito, sobre o qual ela nada poderá fazer – os infortúnios serão obra do destino, não é culpa dela, e, bem ou mal, isso é uma espécie de conforto.

Victoria não teve tempo – essa commodity – para se perceber apaixonada e descobrir que existe outra vida além da profissional. E o que se pode oferecer à pessoa amada no capitalismo tardio? Ela declara o seu amor oferecendo ajuda para capacitá-lo profissionalmente – e apresentá-lo a todos os advogados de Paris, pois, como alertam os gurus das finanças, networking é o mais importante….

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